segunda-feira, 25 de junho de 2012

A festa, a saudade e a foto


De novo. Sem esperar. Em um ambiente que em nada lembraria. Com amigos que nada sabiam. Bebendo bebidas que nunca foram tomadas por nós. A lembrança, sempre ela, do nada, fez minha noite, por algum instante, parar.

A música que a banda tocava, muito agitada, com uma letra nada romântica, também não contribuiu para essa saudade repentina.

Pessoas passavam, me cumprimentava, eu fingia, com um sorriso no rosto, que estava bem. Na verdade eu estava bem. Apenas algo repentino veio quebrar aquele momento festivo. Quebrar pra mim, claro, porque todos estavam alegres ao meu redor. Eu também, aparentemente, estava.

Encontrei um amigo. Ele me entenderia. Eu pensava. Mas ele tava tão alterado pela quantidade de cervejas tomadas durante o dia que mal prestou atenção no que eu disse. Ou seja, ninguém ficou sabendo de meu estado emocional interno.

Era quase meia-noite. Decidi entrar no movimento da festa. Comprei uma bebida quente. O clima não estava propício para uma cerveja. Queria ficar alterado logo. Tomei a primeira dose de uma vez. Pedi outra. Mais outra. Lá pela quinta dose, eu comecei a sentir no corpo, na mente, na minha voz, o efeito das doses fortes.

Começou a tocar uma música que falava de paixão. Comecei a cantar. Pedi outra dose. Dessa vez sem energético. Eu já estava muito enérgico. Acompanhei a cantora na outra música, mesmo distante do palco, eu me sentia como se fosse o artista daquela festa, bem solto, festivo e cantante. Cantei movido a saudade e a bebida.

A banda termina seu show. Eu decidi que minha hora de ir embora tinha chegado. Contudo, como vi que estava não muito seguro do meu corpo, sai com alguns amigos para uma praça. Ficamos sentados. Eles continuaram bebendo. Eu, para disfarçar minha situação interna naquele momento, comecei a conversar.

Pessoas bêbadas têm a mania de falar de chifre. Todo mundo naquela roda já tinha levado ou botado chifre. De repente, contrariando minha razão, pedi uma dose. Nunca uma tinha bebido uma dose tão ruim. Desceu ardendo. Rasgando tudo. Só queria que aquela dose rasgasse as arestas do nosso relacionamento mal resolvido que estavam dentro de mim e que naquela noite tinha vindo à tona.

Quase quatro horas da manhã. A bebida tinha acabado. A conversa estava rareando. O cansaço tomava conta de mim e dos amigos. Eu queria dormir. Fui pra casa. Deitei. Mas levei comigo aquela lembrança indesejada que me assaltou no início da festa e que foi comigo até o momento de meu recolhimento. Quando me levantei, não lembrei mais daquela presença inoportuna em meu coração.

Hoje à tarde, contudo, enquanto estudava, um amigo ligou pra mim. Do nada, depois que desliguei o celular, vi, num cantinho do meu quarto uma foto com uma impressão nada boa, mas que me fez viajar até o momento que a máquina fotográfica tinha eternizado aquele momento entre nós. E aí, lembrei da festa da noite de sábado. E cai na cama pensando como teria sido diferente se a vida tivesse sido mais generosa conosco. Adormeci. Quando me levantei, decidi escrever. Escrever é uma forma de exorcizar o que me faz mal. Essa lembrança sua, definitivamente, não me faz bem.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Quando sou atroz




A criatura humana é capaz das piores atrocidades possíveis. Aliás, acredito, que só os homens e as mulheres são capazes de atrocidades. Os animais agem por instituto, por necessidade natural e irresistível de defender-se ou alimentar-se, mas não comentem qualquer ato gratuito contra outro de sua espécie ou de outra diferente.

Acho bacana a idéia paulina de que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus. Para muitos teólogos, sobretudo os calvinistas, nenhum ser humano é bom. Todos nascem mal por natureza. Todos merecem o inferno. Se não fosse a graça de Deus, dizem esses pensadores, que escolheu alguns, segundo sua soberana vontade, para morar no céu, ninguém se salvaria.

Mas não quero falar em teologia cristã. Quero falar da ruindade humana. Daquilo que as pessoas fazem de mal as outras pessoas. Algumas porque gostam. Outras por engano. Outras por pensar que não vão magoar ninguém.

O pior de tudo é que pessoas que sofreram também são capazes de fazer outras passarem pelo mesmo sofrimento que levaram tempo para superar. Isso é ruim. Já vi esse filme várias vezes. O pior é que também já fui protagonista de uma história parecida. O mesmo motivo que me causou sofrimento, eu, por pensar que não ia magoar outra pessoa, terminei causando.

A lição ficou. Depois que o leite foi derramado não há mais nada que fazer. Agora é seguir em frente e aprender que meu lado bruto, selvagem, desumano até, pelo menos para meus princípios e valores pessoais, pode aflorar mesmo que eu pense está tudo de acordo com a normalidade do ambiente que vivo, afinal de conta, o que fiz não foi reprovado por ninguém, pelo contrário, foi até exaltado.

Não matei, não roubei, não estuprei ou cometi qualquer outro crime previsto no Código Penal brasileiro ou em leis extravagantes. Mas algumas coisas são crimes contra a alma, contra o afeto, contra o sentimento. E pra mim, de acordo com minha ideologia de vida, isso é crime tipificado na lei do amor.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Os traficantes do amor




Estamos cercados por uma indústria que explora a nossa carência

Por IVAN MARTINS
 
Na minha mesa de trabalho há uma rosa amarela do dia dos namorados. Entraram aqui um fortão e uma loirinha, vestidos de anjo, e deixaram o presente em nome de uma marca de cerveja. Achei engraçado, mas, assim que eles saíram, bateu certa melancolia. Como é fácil banalizar as coisas que nos comovem. Como é simples transformar em clichê – ou babaquice – os sentimentos terríveis que definem a nossa humanidade.
Olhe em volta: estamos cercados pela palavra amor.  

Há um milhão de livros com esse título, dez milhões de músicas com esse refrão, centenas de filmes e um batalhão diário de novelas que trata do assunto. Pela quantidade de produtos amorosos que nos oferecem, é inevitável concluir que consumimos mais amor do que cerveja, chocolate e televisores de tela plana. Talvez um pouco menos que celulares. 

Nosso apetite por amor não tem limites. Nossa sede de amor jamais acaba. Somos carentes insaciáveis. Sonhamos com o amor todas as noites. Acordamos encharcados de imagens doloridas. Dentro de nós se agita um mar de memórias que tem como centro as nossas experiências de afeto. Velhas, remotíssimas, e recentes. Elas nos movem de forma inconsciente. Somos filhos, somos irmãos, somos amigos, somos amantes, somos pais e mães. Todos nós. A cola que liga todas essas situações é o amor.  

Começamos a receber amor ainda minúsculos, nos braços da mãe, e nunca mais paramos. Ele nos constitui emocionalmente, como os músculos e os ossos nos formam fisicamente. É parte essencial de nós e precisa ser reposto, realimentado, revivido a cada dia, a cada momento, em um processo que, a rigor, nunca tem fim.  

Um alienígena que chegasse à Terra iria perceber, em dois minutos, nossa abissal vulnerabilidade. Além de água, alimento, abrigo, precisamos desesperadamente de amor - em várias formas, em qualquer forma na verdade. Somos viciados nele. Erguemos nossa vida em torno dele. Do erotismo violento da adolescência aos sentimentos suaves da velhice, nossa existência é uma longa experiência amorosa – ou uma busca desesperada, e muitas vezes cega, muitas vezes infrutífera, pelo amor. 

É por isso que me incomoda a banalização comercial do sentimento. Ela me parece uma covardia, quase uma canalhice. Algo como oferecer luz a um cego. Diante do amor, somos todos ingênuos, frágeis, facilmente enganáveis. É simples nos vender qualquer coisa, nos iludir com qualquer promessa. Estamos, desde crianças, atrás da próxima dose dessa droga – e, às vezes, tenho a sensação de estarmos cercado de traficantes que não entregam a mercadoria. Nem poderiam.

Nossos verdadeiros sentimentos são obscuros e sombrios, quase impossíveis de serem saciados. Eles não cabem nos formatos pré-moldados da indústria do amor. Pegue o caso da mulher que matou e destrinchou o marido uns dias atrás. Havia amor ali. Amor na forma de ciúme. Amor próprio. Amor de mãe que temia ser separada da filha. Mas não é disso que a marca de cerveja quer falar no dia dos namorados. A história de Elize Matsunaga precisa de um filme europeu pesado, triste, não comercial, daqueles que nos expulsam da sala de cinema com a mesma força com que mergulham dentro de nós.  

Diante do tamanho das nossas necessidades, e da nossa imensa complexidade, a indústria do amor está fadada a nos desapontar. Ela oferece música para um momento de dor, mas mil músicas são incapazes de nos consolar quando acabamos de ser abandonados. Ela nos dá lindas histórias de amor, mas quem pode com elas quando está coberto por um manto intransponível de medo e tristeza? 

O paradoxo do amor público, industrial, feliz, multiplicado nas redes sociais e nas salas de Multiplex, é que as nossas experiências realmente importantes são incomunicáveis e intransferíveis. Apesar do estardalhaço social, estamos sozinhos frente ao amor. Cabe a cada um de nós encontrá-lo, vivê-lo ou perdê-lo intimamente. É inevitável gemer sozinho no escuro, cercado de silêncio. O pessoal da rosa amarela não estará disponível se você precisar deles.  

domingo, 10 de junho de 2012

A máscara dele caiu...




Onze horas e trinta minutos da noite. Dia tranqüilo. Normal. Apenas a chuva, que veio em boa hora, tinha quebrado a rotina daquela terça.

Ele tenta se esconder. Tenta fugir. Tenta não parecer o que é. Uma máscara havia sido colocada, por ele mesmo, em seu rosto. Há tempos que precisava disso, pensa. Sente mais forte quando não demonstra suas fraquezas, seus sentimentos, quando não compartilha a dor e a ausência que dilacera a sua alma, frágil alma, cansada alma.

Mais uma experiência para sua coleção de fracassos e desilusões amorosas, ele pensa, durante a penumbra da noite. Apenas algumas luzes fracas de alguns postes de energia iluminam a cidade, iluminam a sua vida.

Uma leve chuva cai. De repente sente frio. Um pouco de frio. Mas, pior que aquela sensação causada pelo clima na cidade dele, é a frio que atormenta e faz tremer seu coração, ele reflete.

Acende um cigarro. Não é fumante diário. Em alguns momentos de forte pressão emocional, o cigarro serve para ele pensar e meditar, sobre determinada situação, enquanto fuma. É como um ritual. Pega a carteira amassada guardada na bolsa escolar, procura o velho isqueiro de mais de um ano, coloca uma música qualquer em seu celular, vai para varanda de sua casa e fuma. E pensa. Às vezes, algumas vezes, chora.

Um leve vento faz a chuva alcançar seu rosto. Por um instante quebra aquele ritual, aquela quase fuga da realidade, trazendo de volta ao mundo concreto. Ele fica desnorteado. Percebe que a letra da canção, tocada no seu celular, falar de amor existente, mas que é negado.

Passa a mão no rosto. Tira a água de sua fronte. Afasta-se um pouco da varanda para que a chuva não o molhe mais. O cigarro se apaga. Mas, de repente, uma lágrima verte de seus olhos. Começa a perceber que as lágrimas mancham a sua máscara. Ele não tenta ser forte e deixa se envolver por aquele momento. E chora copiosamente.

A máscara caiu. Alguns pedacinhos ficam pregados no seu rosto. Ele pega o que sobra e joga na chuva que tinha se intensificado. Nesse momento, se deixa envolver pela água que cai do céu. A água que cai de seus olhos continua. As duas se misturam. Uma veio para amenizar à seca que está em sua região. A outra veio para jogar fora todo o sentimento recolhido de seu coração.

Pouco tempo depois ele entrar para casa. Vai a seu quarto. Procura uma toalha. Enquanto se seca, percebe, diante do espelho, que seus olhos estão vermelhos. Fazia tempo que não chorava daquele jeito. Fazia tempo que não deixava transparecer seu afeto.

Lá a fora a chuva começa a parar. A terra, amanhã, ficará úmida. Lá dentro as suas lágrimas também cessaram. Sua alma, amanhã, estará mais tranquila. Deita-se na cama. Envolve-se com um grosso lençol. Adormece. Quando ele se acordar vai perceber a serenidade de seu rosto depois de ter libertado aqueles sentimentos reprimidos que guardava dentro si. Sem máscara. Sendo ele mesmo. E pronto para prosseguir na busca de sua felicidade.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O adeus inesperado


Tenho certeza que vou te encontrar
Não sei o dia e a hora
Mas sei o lugar
Sei que você está bem
Mesmo assim
Isso não me impede de chorar
[...]
Você foi tão cedo
A vida é um mistério
E ela não diz porque...
Mas tua semente hoje está
Presente e vai florescer..
(A tempestade e o sol – Banda Catedral)

O tempo não para. Isso é fato. Mas ele não leva consigo alguns sentimentos e afetos que marcam a vida da gente. Sua passagem ameniza a dor, a saudade, a sensação de vazio e de perda, mas nunca preenche o espaço deixado por quem partiu para nunca mais voltar.

Na vida da gente muita gente passa. Gente que faz a gente feliz, gente que faz a gente sofrer, gente que faz a gente ser gente. Cada pessoa que, em determinado momento, cruzou o meu caminho, contribuiu, de forma direta ou indireta, com o que sou hoje.

Eu tenho uma facilidade grande de lembrar de homens e mulheres, nas fases da vida que passei, que me afetaram de forma positiva ou negativa. Lembro de gente da primeira rua que morei, do sítio de meus avós, da segunda rua no centro da cidade, escola infantil, do ensino fundamental, do ensino médio, do magistério, do curso de história, da Igreja Universal, da Igreja Betel Brasileiro, da catequese na Igreja Católica, dos retiros evangélicos e carismáticos que participei, de vários movimentos e festas que estive presente.

Eu tenho uma facilidade muito grande também de nutrir afeto. Sou fácil de ser conquistado. Basta um pouco de carinho e atenção que consigo criar laços afetivos com quem quer que seja.

Muita gente partiu para outros estados. Muita gente deixou de falar comigo. Eu deixei de falar com muita gente também. Muita gente casou. Muita gente se divorciou. Vez em quando, pelas redes sociais, encontro gente que há muito tempo eu não tinha notícia. De certo modo, a maioria absoluta das pessoas que passaram por minha vida continua viva. Poucas morreram. Das que morreram, uma em especial me tocou profundamente.

Há exatamente um mês, por volta de quatro e pouco da tarde, eu deitado na minha cama, ouvindo Adele e meio que cochilando, sou acordado com a notícia de que meu cunhado e minha irmã tinha sofrido um acidente de moto. Levantei de sobressalto. Fiquei assustado. Mas pensei ser pequeno meu susto, porque eu achava, até então, que nada de mais poderia ter acontecido. Eu achava. Estava errado.

A situação de meu cunhado não estava boa. Minha irmã estava bem. Mesmo assim, eu pensava que ele podia está muito machucado, que iria se recuperar. A gente nunca pensa na morte de imediato. Sempre guarda a esperança de que tudo esteja bem. Pouco tempo depois, no caminho do hospital em Guarabira, fui informado de sua morte. Não quis acreditar bem. Só quando cheguei lá, ouvi de algumas enfermeiras de plantão a confirmação, vi que não existia qualquer esperança mais.

Pela primeira vez na vida, em vinte e cinco anos, experimentei a dor da morte de uma forma intensa. Alguém perto de mim, chegado a mim, partia de uma forma inesperada e trágica. Nunca chorei tanto. As coisas lá em casa iam bem, depois de tudo que atravessei no ano passado. De repente, quando o tempo de paz chega, algo interrompe, destruindo uma construção que parecia sólida.

Lembro quando Iranildo chegou, pela primeira vez, na minha casa. Nunca interferi nos relacionamentos de minhas irmãs (tenho duas). O fato dele ser mais velho que Joelma chocou, a princípio, alguns familiares. Mas o decorrer dos dias, dos meses, foi quebrando as resistências e formando uma rede de afeto entre ele e nossa casa.

Ele me chamou para ser seu padrinho de casamento. Fiquei honrado com o convite. Sempre nos demos bem. Apesar dele e minha irmã morarem em outra casa, sempre estavam lá em casa, almoçando, jantando, assistindo, acessando a net, conversando, fazendo pizzas...

Fiquei meio que desnorteado com sua morte. Acompanhei tudo. Só sai de perto quando a terra cobriu totalmente o caixão que guardava seu corpo.

De tanta gente que passou por minha vida, ele foi uma pessoa que marcou. Nunca vou esquecer os momentos compartilhados juntos, em família, as risadas, as brincadeiras...

Um mês se passou. Nunca vou esquecer o primeiro de maio. Um adeus inesperado. Jamais imaginado. Mas, como diz a letra da canção de Catedral e em consonância com a minha fé cristã que ensina sobre a ressureição dos mortos, quando eu for recolhido desse mundo, a gente vai se encontrar, "não o sei dia e a hora, mas sei o lugar. Sei que você está bem, mesmo assim isso não me impede de chorar."

As pessoas só morrem de fato quando elas não significaram nada pra gente. Se elas significaram alguma coisa, estarão para sempre vivas em nossa lembrança.

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