segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Direitos Humanos são Direitos de Todos

            O ano de 2018 assinala os setenta anos da Declaração Universal dos Direitos (DUDH), uma reposta humanizada que Assembleia Geral das Nações Unidas deu à barbárie (ou barbáries) que o mundo conheceu na primeira metade do século XX. Infelizmente, concomitantemente a esse momento que deveria ser de comemorações e reflexões sobre os direitos básicos que todos nós temos, percebe-se a ascensão de discursos autoritários e de viés fascista relacionados aos direitos humanos.
            Quando a DUDH foi proclamada, em 10 de dezembro de 1948, o mundo já tinha conhecido não apenas o “progresso” (desconfio muito desse conceito) vindo com as revoluções na técnica de produção dos séculos antecedentes, com a ascensão das novas tecnologias que mudaram para sempre a história econômica, política e cultural da humanidade, mas também viram que os mesmos conhecimentos que diminuíram as distâncias, que possibilitaram novas formas de sociabilidade e trouxeram comodidade para os lares, foram utilizados, na primeira metade do século XX, para a destruição e a morte de milhões de pessoas durante as duas grandes guerras mundiais, a experiência nazista e fascista e o stalinismo.
            É lamentável ouvir nos meios de comunicação de massa, sobretudo nos “programas jornalísticos” de rádio e TV, que tem uma influência sobremaneira na formação da opinião pública, discursos que desprezam os direitos humanos. Quem nunca ouviu ou viu: “direitos humanos são direitos de bandidos”, “cadê os direitos humanos que não foram visitar a família da vítima?”, “esses militantes dos direitos humanos são todos financiados pelo governo”, “a segurança pública não melhora devido os direitos humanos”, etc. No Facebook, cansei de responder argumentos assim.
            Penso que não devemos entrar numa ofensiva para responder a todos que pensam de forma distorcida a respeito dos direitos humanos. Agora, quando uma pessoa vem com opiniões distorcidas, eu pergunto o que ela acha da liberdade de escolher a sua crença religiosa, do direito ao trabalho, da possibilidade de matricular o filho em uma escola pública, da liberdade de expressar seus pensamentos, inclusive criticando os direitos humanos, sem ninguém para tutelar sua opinião, etc. Quando a pessoa responde, eu, em seguida, afirmo: então, você defende os direitos humanos! Ninguém em sã consciência e com as faculdades mentais em boa forma vai desprezar esses direitos fundamentais.
            É preciso ter em mente e ensinar nas escolas, grupos pastorais, movimentos, coletivos, etc., que os direitos humanos nada mais são do que os direitos básicos que todos nós, seres humanos, independente de nossa fé, cor, classe social, sexo ou qualquer outro aspecto que serve para nos diferenciar uns dos outros, temos para viver uma vida digna. É preciso compreender, também, que quando existem assaltos, assassinatos, estupros e outros crimes cometidos no cotidiano de uma sociedade tão violenta como a nossa, está sendo negado e violentado os direitos humanos: direito à propriedade, direito à vida, direito à dignidade sexual. A culpa, portanto, não está no fato de termos direitos humanos, mas no fato de que esses direitos não se concretizarem na prática e da ausência de ações e políticas concretas no campo da segurança pública por parte do poder público, somando-se com a desigualdade social, o crime organizado (tão organizado que persiste no tempo e está entranhado em todos os poderes constituídos), dentre vários outros fatores estudados pelas ciências criminais.
            A DUDH é composta por um preâmbulo que explica os motivos de sua feitura e de trinta artigos que versam sobre os direitos básicos que todos os seres precisam para ter uma vida digna. Os críticos dos direitos humanos deveriam, antes de qualquer coisa, ler a declaração; certamente veriam que o que lá está escrito não privilegia um determinado sujeito em detrimento de outro. Pelo contrário, a busca – ainda, infelizmente, não alcançada – é por uma sociedade que todos tenham as condições mínimas para viver como gente, como ser humano.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Escola Sem Partido ou Escola com Discriminação?


Nos últimos anos, diversos projetos de leis foram apresentados nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, visando criar uma Escola Sem Partido, ou seja, proibir que professores e professoras “doutrinem” crianças com questões políticas e noções de gênero e diversidade sexual na sala de aula. Recentemente, com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidência da república, o tema retornou à Câmara dos Deputados; a própria campanha do candidato eleito pautou esse tema.

À primeira vista, todo mundo quer uma escola que não tenha partido, que seja para todos (as) estudantes, que não coloque nenhum tipo de conhecimento arbitrário ao alunado. Contudo, quando analisamos mais a fundo as ideias desse movimento e dos seus representantes, percebe-se o contrário. Não é escola sem partido que querem; é escola com pensamento único.

O movimento Escola Sem Partido nasceu em 2004, por iniciativa do procurador Miguel Nagibe em São Paulo. Ele tinha escutado um relato de sua filha ao chegar da escola e teria ficado indignado quando ela disse que o professor de história havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. A partir disso, fundou uma associação, criou um site e vários núcleos espalhados em todo o Brasil. Modelos de projetos de lei são disponibilizados para serem apresentados em todas as casas legislativas do país.

Todos os parlamentares que apresentaram projetos em suas casas legislativas são evangélicos ou católicos e pertencem a partidos conservadores como o PSC, MDB, PSDB, PP, DEM, dentre outros da mesma linha ideológica. Todos têm uma visão econômica liberal e um histórico de embates com a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) e os movimentos feministas.

Em 2016, uma lei estadual foi aprovada na Assembleia Legislativa de Alagoas, vetada pelo governador do estado, mas o veto derrubado pelo poder legislativo. Uma liminar do ministro Luis Roberto Barroso suspendeu os efeitos da norma. A Procuradoria Geral da República (PGR) já se posicionou contrária a essa e outras leis de vários municípios brasileiros, por entender que ela fere direitos e princípios constitucionais. O Supremo Tribunal Federal (STF) até hoje não pautou a questão.

Quem observou pela imprensa a cobertura das discussões e aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), no Congresso Nacional, entre 2011 e 2014, viu que a incorporação dos termos gênero e orientação sexual nas formas de enfrentamento às discriminações foi vetada por pressão dos setores conservadores, formado pela bancada evangélica e católica e, excluíram também, as questões de raça do texto final. Esses grupos religiosos criaram um discurso em torno da chamada “ideologia de gênero”, que, segundo eles, visa destruir as famílias e acabar com a inocência das crianças. Esse “pânico moral” foi espalhado nos anos de 2015 e 2016 durante as tramitações e aprovações dos planos estaduais e municipais de educação. Voltou à tona durante a campanha eleitoral deste ano, sobretudo a partir da candidatura do presidente da república eleito e de seus seguidores em todo o país.

Alunos (as) que tem uma religião diferente da cristã ou mesmo que não possuem nenhuma crença sofrem nas escolas. Uma aluna de uma escola pública no Rio de Janeiro foi impedida de entrar no estabelecimento escolar por está com guias de sua religião. Alunos (as) LGBT enfrentam, no dia a dia, agressões físicas e simbólicas por ter uma orientação sexual e identidade de gênero não hegemônica. Ficaremos apenas nesses exemplos, mas casos de racismo, machismo e preconceitos contra pessoas com algum tipo de deficiência são muito comuns. A Escola Sem Partido quer proibir essas discussões.

A educação tem um papel fundamental na mudança de mentalidades e comportamentos. A cultura do estupro, o machismo, a homofobia, o racismo, dentre outras formas de preconceitos e discriminações serão enfrentadas concretamente quando a discussão entrar, de forma séria e científica, nas salas de aulas. A escola deve ser um espaço por excelência de convívio com a diversidade e não um local de hostilidade aos diferentes.

Portanto, os projetos de leis baseados no movimento Escola Sem Partido, não visam uma escola sem influências partidárias, mas uma escola que esconda a diversidade presente na sociedade e não combata preconceitos e discriminações que as pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, mulheres, negros, indivíduos de religiões de matriz africana sofrem no dia a dia. É urgente que o STF possa julgar a ação constitucional que tramita lá, para pacificar a questão em todo território nacional e tirar o véu do obscurantismo que tentam impor às escolas brasileiras.


domingo, 2 de setembro de 2018

"Meu primeiro tiroteio"


Diz o jargão que pra tudo tem a primeira vez. Nem sempre isso é possível; por exemplo, acho que a maioria das pessoas nunca vai chegar a ficar rica; o sistema capitalista exige a distribuição de riqueza desigual. Mas pra tragédia, acho que muita gente vai passar. Pois ontem num é que experimentei uma?

Eu ia para casa de uma amiga discutir algumas questões de um projeto cultural de dança que será apresentado agora em setembro, outubro e novembro. Desci no terminal da integração do Varadouro. Comprei uma tapioca e um café. Fui andando bem devagar em direção a antiga Central de Polícia (antigo prédio que torturava líderes durante a ditadura civil-militar), comendo a tapioca e tomando café.

Quando me aproximo dos pontos que ficam os transportes alternativos, começa um tiroteio mais na frente. E agora, o que fazer? Não sabia se eu corria, deitava, ficava parado. Abaixei-me até passar o momento tenso. Vi pessoas correndo pra um lado e pra outro.

De repente, vem um senhor em minha direção com a mão na barriga, com um pouco de sangue. Não dava pra imaginar que ele tinha sido baleado. Senta na calçada. Olha pra um lado e pra outro. De repente, aparenta uma tontura. Cai pra trás na calçada. Segundos depois estava morto. A polícia chega, mas não tinha nada mais o que fazer.

Vou seguindo meu caminho, com o corpo um pouco tremendo e o medo tomando conta de mim. Pela imprensa, tempos depois, vi que foi um “encontro” de grupos rivais; apenas o senhor morreu e mais duas pessoas ficaram feridas.

Esse ano já fui assaltado duas vezes em João Pessoa. Conheço vários amigos que também foram e muita gente que perdeu algum amigo, parente ou conhecido nessa “guerra civil” que o Brasil atravessa. É triste se ver diante de uma política de segurança pública ineficaz e também diante de propostas eleitorais populistas que, talvez, possa piorar o quadro de violência que o país vive.

Por trás disso tudo, está essa inútil guerra às drogas; está também a falta do Estado nos lugares mais carentes; a falta de perspectiva de muitos adolescentes e jovens em seguir uma carreira decente (trabalhei dois anos com adolescentes em conflito com a lei e ouvi relatos tristes sobre suas existências precárias e “criminosas”).

Época eleitoral serve (ou não) pra gente refletir sobre os caminhos (ou descaminhos) que nossos governantes e parlamentares prometem nos levar (ou desviar).

sábado, 2 de junho de 2018

Deus na boca da mulher pedinte



Eu não costumo “ajudar” pedintes nas ruas e no transporte coletivo de João Pessoa. Poucas vezes vejo sinceridade em quem pede. Posso ir para o inferno por causa disso? Antes o inferno do que o céu com Silas Malafaia, Edir Macedo, Marcos Feliciano e toda a corja espiritual brasileira...

Dias atrás eu vinha da aula de Jornalismo na UFPB. Peguei o 1510. Quando o ônibus chegou ao José Américo e parou em um dos vários pontos do bairro, uma senhora subiu e pediu a alguém que pagasse a sua passagem. Eu tinha a impressão de já tê-la visto em algum lugar. Uma jovem, que estava sentada ao meu lado, foi até o cobrador e pagou.

Assim que a senhora entrou começou a pedir. Aí lembrei dela. Eu estava em um ônibus, há uns dois anos, acho que vindo de Tambaú, quando a senhora fez a mesma coisa: subiu no busão, pediu que alguém pagasse a passagem e depois começou a pedir, contando que estava passando necessidades e tal.

Eu dei, naquela vez, acho que uma moeda de R$ 1,00.

Quando ela estava perto dos últimos bancos, ela cismou com uma senhora que estava sentada. Começou a discutir e proferir palavras ásperas contra a mulher que,  segundo a  pedinte, tinha resmungado alguma coisa. “Se não quiser ajudar, não reclame”, “Deus vai te castigar”, “De de que adianta ir pra Igreja e não ajudar o pobre”, etc. Eu fiquei constrangido com a cena e com a forma da pedinte agir.

Dava para ver pelas roupas que ela devia ser de alguma das milhões de igrejas evangélicas que se multiplicam no Brasil todos os segundos.

Pois então. Quando ela entrou no 1510, eu lembrei da cena passada anos antes.

Ela começou a pedir. Não dei nada. Fiquei imaginando se ela iria começar alguma discussão também. E de repente, com uma passageira que estava sentada no banco ao lado do meu, ela começou a discutir.

De acordo com a versão da pedinte, a passageira teria falado para sua colega que estava no mesmo banco: “tu vai ajudar?”. Ela escutou a começou a proferir as mesmas palavras que da outra vez, mas bem mais fortes, inclusive criticando o fato de a senhora que questionou a outra do lado, usar um terço, falando que aquele Deus dela estava morto, que ela ia para o inferno, que maldições iam cair sobre ela e outras pregações típicas de religiosos fundamentalistas.

Eu estava com um livro na mão, mas não consegui mais me concentrar. Todo mundo no ônibus ficou olhando para aquela senhora indefesa que entrou no coletivo graças a uma passagem paga, que tinha pedido ajuda pelo amor de Deus, usar o nome do divino para jogar palavras carregadas de negatividade em uma pessoa.

Ficamos todos aliviados quando, poucos minutos depois, a pedinte missionária desceu em outra parada. E desceu falando de maldições e outras coisas que o cara lá de cima vai fazer em quem não ajudá-la.

Mais um motivo para eu não querer ir para o céu. Além dos senhores de terno e gravata citados no começo do texto, não quero ter a companhia dessa senhora por toda a eternidade. Pelo menos não no céu que essas igrejas  pregam nos cultos dominicais.

domingo, 29 de abril de 2018

O garoto que levou meu celular


Fevereiro de 2018. Eu fui para um bar na Praça da Paz com um rapaz que tinha conhecido pelo Grindr. Fazia tempo que estávamos conversando, mas não tínhamos nos encontrado ainda. Na época, eu tinha acabado de voltar a morar em João Pessoa, ia trabalhar em uma escola durante a noite e estudar Jornalismo na Universidade Federal da Paraíba. As coisas estavam dando certo na minha vida.

Sentamos em uma mesa no centro do bar. Pedimos caipirinhas e caldinhos diversos para regar a nossa conversa. Minha companhia mostrou-se uma boa pessoa para sair, tinha um bom papo, senso de humor e um sorriso bonito.

Entre as bebidas e conversas, fomos nos empolgando quando chegou um garoto que devia, pela aparência, ter entre 11 e 13 anos de idade. Nos ofereceu doces. Recusamos. Ele ficou insistindo para que comprássemos. Eu, todo metido a militante, disse que ele não poderia aquela hora da noite está em um bar, que ele devia estudar e não trabalhar, etc. O garoto disse que estudava e estava vendendo pra ajudar no sustento de casa. Eu ia dizer mais o quê?

Meu celular estava em cima da mesa, perto do copo com bebida. O garoto estava bem próximo de mim. Ele conseguiu captar toda nossa atenção. Não percebemos que, enquanto isso, ele pegava o celular e saia da nossa mesa, fazendo uma aposta: ele iria nas outras mesas do bar oferecer os doces, caso não vendesse nenhum iria voltar e teríamos que comprar os produtos. Obviamente, eu recusei qualquer aposta.

Ele foi oferecendo os doces em outras mesas e, mesmo já longe, falando conosco sorrindo, dizendo que ia voltar. Mas uma vez falei que ele fosse embora e tal. Voltei a conversar com J. (primeira letra do nome do rapaz que me acompanhava) e beber. O garoto foi embora que nem percebemos. De repente, fui pegar o celular para conferir a hora. Surpresa! Cadê o celular? Foi aí que demos conta que o garoto usou toda uma estratégia para prender nossa atenção e pegar o celular sem que percebêssemos.

J. ficou revoltado, mais sentido que eu diante da situação. Fomos reclamar com a direção do bar. Mas eu fiquei aparvalhado com aquele menino e sua capacidade de captar a atenção das pessoas para cometer um ato infracional.

Eu estava há uns nove meses com aquele celular. Mudei rapidamente as senhas do twitter, instragram e gmail. Pedi o bloqueio do número. Fiquei pensando nas fotos que estavam armazenadas e contatos que eu tinha perdidos. Contudo, depois disso tudo comecei a rir de tudo aquilo, sobretudo, do nosso abestalhamento, especialmente o meu, diante do garoto.

Saímos do bar. Fomos até uma conveniência. Compramos vinho barato e pipocas. Pegamos um uber e viemos ao meu apartamento. A noite não foi de toda ruim...


PS: dois meses depois, quando eu esperava o ônibus para ir trabalhar, dois rapazes numa moto, levaram o celular que eu tinha comprado substituto do anterior que havia sido levado pelo garoto no bar.

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