Se Manuel Bandeira escrevesse hoje Vou-me embora pra Pasárgada, talvez o seu poema mais famoso, ele não ia para Parságada. Penso eu, que o poeta nordestino, nesses dias de globalização intensa, seria leitor ávido, não apenas da literatura, mas também da ciência. Eu acredito que ele trocaria o nome Pársagada para Gliese 581g. Mas um nome assim é muito feito. Ele, certamente, excluiria o 581g e deixaria apenas Gliese. Um nome bonito, né? Quem sabe não coloco esse nome na minha filha...
Recentemente, os cientistas descobriram um planeta muito parecido com a Mãe Terra. Batizaram de Gliese 581g, mas que eu, como não sou astrônomo, vou chamar apenas de Gliese. Depois de onze anos de observação, avistaram esse planeta. Gliese orbita numa região de zona habitável do sistema estelar. Nessa região, a quantidade de calor é suficiente para a existência de água em estado líquido em sua superfície. Assim, a possibilidade de existir alguma forma de vida é muito provável.
Quando eu era criança, eu costumava olhar para o céu. Eu adorava ver o movimento das nuvens. Ficava visualizando figuras de animas na imensidão do céu. Isso durante o dia. À noite, olhava as estrelas. Deslumbrado com a infinidade delas, eu metia a contar. Dias depois, nascia uma verruga em mim por ter contado as estrelas. Mas eu morria de medo dos ETs. Qualquer objeto voador desconhecido que surgisse no céu, as pessoas de tanto assistir os filmes norte-americanos, diziam ser um disco voador. O mais incrível era as estórias que me contavam. Fulano tava indo pro roçado, de repente um clarão surgiu no céu; quando olhou pra trás era um disco voador; correu tanto que consegui escapar. Lembro de várias pessoas que contaram ter tido uma experiência semelhante. Claro, essas estórias metia medo em mim e nas demais crianças vizinhas. Quando eu assistia a um filme sobre extraterrestre, eu me assombrava durante o sono. Mas isso passou...
Hoje quem mais me mete medo são os próprios seres humanos. Nem os demônios, nem o papa-figo, nem o bicho-papão, nem Comadre Folozinha e os ETs me assustam mais. As pessoas me assustam. Um valor tão importante, como a confiança, está indo embora nas relações interpessoais. A hipocrisia, a falsidade, a mentira, a competição desenfreada tem, infelizmente, caracterizado a maioria dos homens e mulheres nos dias hodiernos.
Disse Albert Einstein: Tempo difícil esse em que estamos, onde é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito. Em pleno século XXI, depois de tantas conquistas e avanços no campo da ciência, das artes, da tecnologia, contraditoriamente, essa frase se encaixa perfeitamente. Nas universidades discute-se muito a noção de alteridade, de valorizar e respeitar o outro, mas fora de seus muros a realidade é bem diferente. Minorias são execradas, humilhadas, xingadas e até, o mais triste de tudo, mortas por sua orientação sexual não heternormativa, pela religião que contraria os valores das religiões oficiais, pelo estilo de vida que vive, pelas idéias que defendem. No Brasil, esse país tido como cordial, pacífico, a cada dois dias uma pessoa é morta por ser gay, travesti ou transexual.
Quem diria que depois de tanto conhecimento acumulado ao longo da história, guerras motivadas por fins econômicos ainda existiram... Se nesse momento, os conflitos bélicos são reduzidos e bem localizados, por outro lado milhares de pessoas morrem de fome, apesar da produção de alimentos ser suficiente para alimentar, com folga e com bastante sobra, toda a população mundial.
O meio-ambiente é destruído, cotidianamente, em nome de um progresso que só favorece a uma minoria em detrimento da maioria excluída, empobrecida. Os valores mais importantes são medidos pela riqueza e pelo status que as pessoas possuem na sociedade. O rótulo é mais evidenciado e aceitado do que o conteúdo...
Vou-me embora pra Gliese. O planeta será destruído pelos seres humanos mesmo. Antes que isso aconteça, quero está bem longe daqui. Talvez lá, em Gliese, os habitantes estejam vivendo no Éden, em harmonia com todas as formas de vida existentes, sem conflitos, sem preconceitos, sem desigualdades, sem os males daqui da terra.
O que me deixou triste foi saber que uma viagem a Gliese num dos ônibus espaciais da NASA levaria 766 000 anos, quatro vezes o tempo que o Homo sapiens habita na terra. Quando isso for possível eu já não estarei mais com vida.
Mas, pensando bem, é melhor deixar Gliese lá. A distância de 20 anos-luz da terra ou 190 trilhões de quilômetros é boa. Boa pra Gliese, que continuará em paz, sem a presença humana que levaria toda a sorte de desgraça pra lá; boa pra mim que vou ter esse lugar um tanto utópico pra sonhar, pra divagar nos momentos de solidão e de desânimo. É bom saber que existe um local diferente da podridão da terra, mesmo que eu tenha a certeza que nunca conseguirei alcançá-lo.
Vou-me embora pra Gliese! Vem junto???