Eu devia ter uns oito ou
nove anos. Estava brincando com os amigos, quando, numa casa de taipa, paredes
sem reboco, porta e janelas simples, vi um uns homens levando um caixão azul
para aquele recinto, bem perto de onde brincávamos. A curiosidade infantil,
apesar do medo da morte que tínhamos, nos levou até lá para ver quem tinha
morrido.
Entramos, vimos uns meninos
chorando, que conhecíamos de vista, e no esquife estava uma mulher, a mãe
deles, deitada para não mais se levantar. Olhei bem o corpo. Magro. Pálido.
Dizer que a face era cadavérica pode parecer redundância, mas, naquela época,
era algo muito feio de ver. Disseram que ela morreu de fome. Assim como o
marido tinha ido embora também. Por isso a feiura.
Fiquei pensando no futuro
daqueles meninos. Eu os conhecia de vista apenas, como disse. Eles nunca
estavam em casa. Talvez vivessem pelo mundo, com a mãe e o pai, agora
falecidos, em busca de alimentos para garantir o mínimo da sobrevivência.
Pouco dias depois, os
meninos sumiram. Provavelmente, indo morar na casa de algum parente ou de
conhecidos. Nunca mais soube notícias. Nunca mais os vi. Teriam ido para o além
também? Não sei. Décadas depois, a memória só é fidedigna naquele corpo
feminino, de mãe, exposto no caixão simpls coberto pelo plástico azul, doado
pela prefeitura.
Perder o pai é doloroso, mas
perder a mãe é pior ainda, todo mundo diz. Minha mãe é viva. Pai morreu nos
dias dos namorados em 2016. Apesar das discussões sobre os papéis de gênero
socialmente construídos, meu mundo social e cultural supervaloriza a mãe. Não
posso fugir disso. Sofri quando meu pai se foi, mas não saberia como ficaria
caso tivesse sido minha mãe.
Tenho conhecidos e
conhecidas, amigos e amigas, que passam o dia reservado aos país, em agosto,
até razoavelmente, mas o segundo domingo de maio é sempre triste para quem não
tem, nesse mundo, suas mães. Vi vários/várias chorando em conversas comigo
bebendo, em celebrações de escolas ou missas.
A Igreja Católica,
inclusive, dedica todo o mês de maio a Maria, mãe de Jesus, mãe da humanidade.
São terços, novenas, celebrações dedicadas à Virgem. Tudo lindo. Tudo
emocionante. Engraçado, uma instituição dominada pelos homens ter essa
reverência toda por uma mulher. Quase uma deusa, perdão a heresia. Mas Nossa
Senhora é quase isso (ou não seria mesmo uma divindade?).
Por isso, esse dia é triste
para quem perdeu a mãe. Fico pensando naqueles meninos da minha infância. Já
não tinham o pai. Devia ser bem dolorida a infância deles, com comida parca
(quando havia), dormindo em lençóis sujos no chão, mas, certamente, tinham, no
fim do dia, naquele vale de lágrimas, um carinho, um afeto, um beijo daquela
que eles não teriam mais. Isso é tão forte que nunca esqueci. Já falei até na
terapia (quando eu fazia) sobre aquela experiência.
“Por que Deus permite que as
mães vão-se embora?”, questionava o poeta Carlos Drummond de Andrade. Espero
não fazer essa pergunta tão cedo em relação a Carminha, minha mãe, mas nunca
deixo de pensar em relação aos meus amigos, colegas, e àqueles meninos lá dos
anos noventa que viram sua mãe sucumbir devido a fome e nunca mais teriam
aquele último refrigério na miséria cotidiana.
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