Eu
tinha saída da casa do crush em
Manaíra. Fui pra Epitácio pegar um busão para
a rodoviária. Precisava ir para Alagoinha. Peguei um livro e comecei a ler
enquanto esperava o coletivo e continuei a leitura mesmo após ter entrado no
transporte.
Quando
o ônibus chega na parada da lagoa, como sempre, muita gente desce e muita gente
sobe indo em direção ao terminal de integração do Varadouro. Mas dessa vez entrou
um senhor, certamente com mais de 70 anos, deu boa tarde aos demais passageiros,
sentou e começou a cantar.
De
repente paro a leitura assim que sua voz grave começa a entoar “A volta do
Boêmio” de Nelson Gonçalves. Guardo o livro e fico, mentalmente, cantando “Boêmia
/ Aqui me tens de regresso / E suplicante te peço / A minha nova inscrição”.
Que beleza! Quando ele ia iniciar o trecho seguinte, um outro senhor, sentado
um pouco atrás de mim, canta “Voltei pra rever os amigos que um dia / Eu deixei
a chorar de alegria / Me acompanha o meu violão”.
Parecia
algo combinado. Os dois vão cantando enquanto o ônibus segue seu destino, passando
por baixo do viaduto e entrando no Varadouro. E canto também, como falei acima,
mentalmente; não queria atrapalhar aquele dueto belíssimo que rompia com o
ordinário das viagens cotidianas no transporte coletivo de João Pessoa.
Quando
chegamos no terminal de integração, enquanto todos começam a descer do ônibus,
eu vou me demorando propositadamente para falar com o senhor que iniciou a
canção do velho Nelson. Parece que ele adivinhou meu intento e me diz: “Ontem
eu tava cantando no ônibus e uma mulher evangélica disse que eu estava
endemoniado”. Minha resposta: “o demônio estava nela por não reconhecer a
beleza poética e o dom divino em canções como ‘a volta do boêmio’”. Ele ri e sigo
meu destino.
Compro
minha passagem pra minha terra natal e viajo feliz.