Essa semana, mais precisamente segunda-feira, fiz vinte e quatro anos. Já sou formado em História. Estudo Direito. Trabalho desde os dezenove anos. Resolvido em muitas áreas de minha vida.
Como eu já falei várias vezes por aqui, em postagens parecidas, o meu ano novo começa todas as vezes que o Criador renova mais um ano de vida em mim.
Aproveito, no dia comemorativo ao meu nascimento, para fazer uma auto-avaliação de minha existência. Muitas pessoas tiram esse dia pra celebrar. Eu não. Prefiro um retiro. Um retiro interior. Uma saída do mundo real para o mundo do Eu. Então, reconheço meus erros, vejo o que tenho que mudar; em relação aos acertos, aos avanços, procuro uma forma de consolidá-los ainda mais.
Esse ano não cumpri, por inúmeros motivos, um deles foi a realização de uma prova de Direito Civil, meu ritual de aniversário. A manhã de 28 de março começou bem, mas logo em seguida um fato me desnorteou todo. Uma das lentes dos óculos quebrou. Como sou míope, isso significou um problema considerável. Foi um fato emblemático, contudo.
O fato de eu ser míope, uma miopia até considerável, me impossibilita de fazer qualquer coisa sem meus óculos. Eles são a janela para que eu possa ver o mundo de forma clara, correta e sem enganos. Sem minhas lentes não consigo viver bem.
Ultimamente tenho perdido a esperança no ser humano. São tantos os fatos e situações extremamente irracionais acontecendo que minha fé em dias melhores, em alguns momentos, como esse agora, fica retraída sobremaneira.
Eu bem que poderia comentar alguns fatos anteriores ao meu aniversário, mas como que para confirmar minha descrença no progresso espiritual da pessoa humana, essa semana outros movimentos desencadeados por dois representantes legítimos do povo brasileiro aumentou meu “ateísmo”.
Ao ver, ler e ficar ciente de tantas ocorrências de discriminações, preconceitos, agressões e assassinatos de pessoas pelo simples fato de ter um comportamento sexual, religioso ou um estilo de vida diferente da maioria heterossexual, cristã e normal, fico mais descrente no futuro.
Ao ver, ler e ficar ciente de invasões a países antes amigos, agora inimigos, somente pelo simples fato de que o interesse econômico de ontem não é o mesmo de hoje, fico mais descrente no futuro.
Ao ver, ler e ficar ciente de que em nome do progresso, do crescimento econômico as pessoas estão devastando as nossas matas, matando nossos rios, expulsando as populações ribeirinhas e índios, verdadeiros donos desse país, fico mais descrente no futuro.
Ao ver, ler e ficar ciente de que os homens e mulheres de Deus, que deveriam exercer o ministério profético nas duas dimensões de denúncia e anúncio, que deveriam estar lutando pela implantação do Reino proclamado por Jesus, mas que estão em conluio com todas as situações acima descritas e outras mais, fico mais descrente no futuro.
Em alguns instantes eu preferia ter uma miopia grosseira diante da realidade social, política e religiosa dos dias hodiernos. Uma miopia que não fosse possível comprar óculos, usar lentes de contato ou fazer uma cirurgia para correção da visão. Ou que se fosse possível usar óculos, quando uma lente quebrasse, como aconteceu com o meu, não fosse possível mandar fazer outra.
A sabedoria popular ensina que cego é quem não quer ver. Pois então, diante de tanta coisa ruim, negativa e execrável perpetrada pelas pessoas eu preferia não ver e nem discernir, já que não posso fazer nada.
Lembrei-me de uma frase de Martin Luther King. O pastor negro norte-americano que lutou pelos direitos civis de sua classe uma vez disse:
“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.”
Mais uma vez recorro à sabedoria popular. “Quem cala consente”, diz o ditado. Sendo assim, pergunto: o silêncio dos bons não é uma forma de aceitação e legitimação desse quadro de miséria ética, social, política e espiritual dos dias atuais?
Esse ataque é voltado para mim também. Sou covarde em muitas situações. Apesar de nesse ano ter tomado algumas decisões necessárias para meu crescimento pessoal e de ser uma voz, em alguns espaços, para denunciar situações de injustiça, pouco tenho feito diante desse estado de coisa.
Vinte e quatro anos de vida. O que tenho feito para mudar o mundo? Espero não ter que fazer mais uma constatação desse mesmo tipo, em relação a minha vida, quando eu tiver o dobro da idade que tenho hoje.
Ontem, lendo o livro dos Atos dos Apóstolos, uma frase de Paulo, o homem que antes perseguia os cristãos e depois do encontro com Jesus ressuscitado passou a ser perseguido, pronunciada aos anciãos da Igreja de Éfeso, me impactou. Diz o apóstolo dos gentios:
Mas de modo nenhum considero minha vida preciosa para mim mesmo, contanto que eu leve a bom termo a minha carreira e o serviço que recebi do Senhor Jesus, ou seja, testemunhar o Evangelho da graça de Deus. (Atos 20.24)
Quando uma causa justa toma conta do ser humano a ponto de sua vida se tornar menos importante do que a realização do seu objetivo, nesse instante ele encontra a felicidade. Não é que a vida perca o valor. Mas ao desejo de viver é somada a paixão pela causa.
A vida sem lutar pelo que se acredita é sem sabor.
A vida vivida por amor a uma causa, mesmo que esse objetivo leve à morte, como aconteceu com tantas pessoas, é digna de ser lembrada pela história.
Isso lembra o discurso de Jesus dirigido aos seus discípulos:
Quem procura conservar a própria vida, vai perdê-la. E quem perde a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. (Mateus 10.39)
Enquanto não chego a esse ponto tenho que me preparar em todos os aspectos, e suplicar a misericórdia divina para minha vida.