sábado, 25 de junho de 2011

Da solidão numa mesa de bar...


Parei diante daquela cena. Não muito na frente, claro, para não gerar desconfiança. Depois fui passando. Fui passando e observando. Fui passando, observando e refletindo. Fui passando, observando, refletindo e me perguntando os motivos.

Meio litro de uísque, um copo pela metade, uma carteira de cigarros e um homem sentado, sozinho, em dia de festa na cidade, naquele bar.

Cabelos grisalhos, alto, cinqüentão, em forma, bem sucedido financeiramente. Possui qualidades fundamentais para se viver numa sociedade marcada pelo culto do ter em detrimento do ser.

Conheço de longe. Em cidades interioranas, sobretudo quando se mora com pouco mais de 13 mil pessoas ao redor, todo mundo conhece todo mundo. Nunca fui com a cara dele. Sempre me pareceu arrogante. E é. Mas aquele quadro desenhado com tintas da realidade me fez escrever essas palavras.

Comentei em seguida com um amigo.  Ele me disse ter pouca coisa pior do que beber sozinho numa mesa de bar. E fiquei pensando ao rememorar a cena. Dinheiro é bom. Dizem por aí que a parte mais sensível da pessoa humana é o bolso. E é verdade. Dinheiro não é tudo, mas é 99%, outros dizem. Não traz felicidade, mas sem ele a felicidade tão pouco existe, outros proclamam.

O que fazia aquele homem sozinho em véspera de São João, com a cidade em festa, naquele bar tão bem freqüentado pelas pessoas de minha cidade? Talvez, estivesse esperando alguém. Mas duvido. Fui à casa de um amigo pegar um objeto meu que eu tinha emprestado, conversei um pouco, e na volta o homem solitário continuava lá.

E fiquei pensando: poxa, pra que serve dinheiro, sucesso na vida se a gente não compartilha com ninguém?

Aquele homem sozinho naquela mesa de bar me fez lembrar sobre o valor da amizade. O que é ter um amigo? O que é a amizade? A amizade partilha da alegria e da tristeza. Aquelas palavras ritualísticas que os sacerdotes falam nas cerimônias matrimonias são perfeitamente aplicáveis nas relações entre amigos.

Mas, como tão bem mostrou Gabriel Chalita, em sua Oração do Amigo, talvez, a amizade maior seja aquela em que o amigo seja capaz de estar ao lado do outro nos momentos de glória, e vibrar com essa glória. Não ter inveja. Não querer destruir o troféu conquistado. Aplaudir e se fazer presente. Ser presente.


Num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo, disse Antoine de Saint-Exupéry. Nunca o mundo esteve tão deserto. A população aumenta ao mesmo tempo em que o deserto dos afetos aumenta.

Todos os dias nos deparamos na rua, na faculdade, no trabalho com várias pessoas. Sempre fico olhando as ruas das metrópoles. Sempre cheias de pessoas. Um formigueiro humano. Mas ninguém conhece ninguém. Em cidades pequenas, como Alagoinha, todo mundo conhece todo mundo. Mas é um conhecimento marginal, por fora, de ver e ouvir dizer. As pessoas muitas vezes são colegas. Contudo, o coleguismo não é amizade. A amizade exige um conhecimento de dentro, do fundo, da alma e não apenas de fora, da margem e do corpo exterior.

Já escrevi textos sobre amizade aqui. Mas aquela paisagem destoante de tudo que acontecia ao redor, naquela quinta-feira, 23 de junho, me fez voltar ao tema. Meio litro de uísque, um copo pela metade, uma carteira de cigarros e um homem sentado, sozinho, em dia de festa na cidade, naquele bar. Um deserto no meio do oásis.

domingo, 19 de junho de 2011

Desejos...



O que posso dizer?
Mentir novamente?
Fingir?
Fugir?
Confesso, que a última possibilidade me assalta de vez em quando.
Nos instantes que me deito na rede,
com a janela aberta,
recebendo o vento em meu corpo,
meus pensamentos buscam várias alternativas para realizar minha fuga.
Mas não posso!
Não é possível!
Agora não!
Daqui a um mês.
Ou daqui a um ano.
Quem sabe daqui a dez anos.
Não, não, não!
Absolutamente não!
Se eu fugir, em qualquer lugar que eu vá, meus pensamentos estarão em você.
O desejo, ah o desejo!
Sempre o desejo a me prender.
Uma prisão irreal, cercada por grades de desejos...
Desejos que me causam ojeriza...
Desejos que me deixam com nojo de mim...
Desejos que me fazem animal...
Oh, Pai, afasta de mim esse cálice...
Se possível for...
Mas não é possível...
Eu fujo e volto pra ele.
Desejos, desejos, desejos...
Sinto-me mais homem, mais macho, mais humano quando os realizo.
Sou mais homem, mais macho, mais humano quando vivo isso tudo contigo...
Por onde ando, o que falo, o que vejo, o que sinto, o que cheiro, o que escuto...
Tudo, tudo, tudo me traz você.
Essa presença onipresente me impede de concretizar os meus desejos em outro corpo...
Só o teu me satisfaz.
Só o teu me realiza.
Só o teu me deixa completo.
Vou arrancar esse mal pela raiz...
Cortar de uma vez esse desejo indesejável...
Não quero mais!
Não posso mais!
Não vou mais atrás!
Mas será que longe de ti tenho vida?
Será que ao sepultar esse desejo não estarei me sepultando também?
São apenas desejos...
Desejos que ferem... que matam... e que dão vida...

sábado, 11 de junho de 2011

Neto outra vez

 


Fui à casa de minha avó. Lá me senti novamente neto. Sensações de uma infância perdida, ou melhor, realizada, voltaram durante aquela tarde. Aquele fim de tarde. Coisas extraordinárias sempre acontecem no fim da tarde.

Sou muito influenciado por Paulo Coelho. Em um trecho de O Alquimista, Santiago, em dúvida se ficava com as suas ovelhas ou ia buscar o seu tesouro, se decidia entre uma coisa que estava acostumado ou outra coisa que gostaria de ter, pensa também na filha de um comerciante que ele tinha conhecido um tempo atrás. Iria ver a moça em dois dias. Mas ele refletiu que se fosse lá, em dois dias, a moça não iria notar, porque para ela todos os dias são iguais. Assim, quando todos os dias ficam iguais, é porque as pessoas deixaram de perceber as coisas boas que aparecem em suas vidas sempre que o sol cruza o céu.

Os milagres da vida são cotidianos, às vezes tão banais que muita gente, ou a maioria das pessoas, nem percebem. O mundo contemporâneo é tão agitado, exige pressa em tudo, que leva ao afastamento das relações afetivas com pessoas próximas. Por isso, somos levados a buscar e somente acreditar em milagres extraordinários, aqueles sobrenaturais, que fogem a qualquer explicação científica.

Jesus uma vez disse, diante de uma multidão, que aquela geração era uma geração perversa; pedia um sinal, mas não se lhe daria outro sinal senão o sinal do profeta Jonas. Tudo já estava profetizado. Mas as pessoas necessitam de sinais, de milagres, de realizações sobre-humanas para que a fé permaneça. Tudo isso porque as pessoas igualam todos os dias e não percebem as diferenças e os acontecimentos sublimes do cotidiano.

Então, naquela tarde, alguns milagres aconteceram. O primeiro deles, claro, foi eu ter ido. Não que nunca vá a casa dela, mas, devido às coisas da faculdade, concursos públicos para estudar e outras besteiras, sempre termino adiando minha visita. Mas sempre que chego lá, não sou o mesmo. A porta da casa torna uma entrada para uma realidade que rompe com o meu mundo.  Dessa vez até o celular desliguei. Sinto-me criança, me sinto aquele pirralho que esperava chegar às férias, a época junina, os feriados para ir ao sítio, tomar banho de barragem, correr pelas ladeiras, subir nos pés de fruta. É impossível eu ir lá e as reminiscências não voltarem.

Eu tenho alguns gostos culinários estranhos. Por exemplo, não como peixe fresco. Só como peixe seco, e só três tipos de peixe assim. Minha avó sabe disso. Quando chego lá ela sempre me avisa se tem ou não o peixe que gosto. Dessa vez tinha. Ela assou uns. Comi. E com farinha. E café quente também. Parece coisa daqueles retirantes, muitas décadas atrás, quando saíam fugindo da seca no sertão, imagens tão bem retratadas em vários livros da literatura regionalista. A propósito, em vários trechos de romances de Zé Lins do Rego e Rachel de Queiroz, as narrativas eram bem parecidas com as minhas aventuras e experiências quando criança.

Foi um encontro do passado com o presente. O passado não está morto. Está tão vivo quanto o agora. Obviamente, ninguém que reviver experiências traumáticas, mesmo assim, vez ou outra, sem querer querendo, como diria Chaves, vivenciamos. Mas quando as lembranças são positivas ninguém quer esquecer. Pelo contrário, se pudéssemos gravaríamos em algum dispositivo de armazenamento, para assistir sempre que a saudade batesse.

Saí de lá feliz. Feliz por ter feito minha avó feliz com a minha visita. Feliz por ela me feito feliz. Feliz porque aquela tarde não foi igual às outras. Aliás, todas as tardes, todos os dias são diferentes dos outros. Mas, estamos tão acostumados com a rotina, estamos sempre tão ocupados que nem percebemos as diferenças sutis entre os dias. E pior ainda: nem enxergamos os milagres que estão ao alcance de todos que se deixam envolver com a magia da simplicidade.

Enfim, voltando a Paulo Coelho, narrando o que uma velha que interpretava sonhos disse a Santiago: as coisas simples são extraordinárias, e só os sábios conseguem vê-las!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Ele rompeu

o
Não chegue tão perto. Eu não quero mais. Terei controle sobre meus desejos. Sou racional, não me guio pelos instintos. Agora vai ser diferente. Você vai ver. Eu também vou ver.

Na primeira vez foi um erro. Eu quis, eu sei, não precisa passar isso na minha cara. Mas você provocou. Provocou sim, nem diga o contrário. Eu fui pegar algo, você veio atrás, sabendo de minha vulnerabilidade afetiva, se aproveitou. Cedi. Não resisti a sua sensualidade.

Na outra vez foi pior. Confesso que provoquei. Mesmo assim, eu tinha conversado contigo, um tempo antes, sobre meus sentimentos. Você deveria ter negado, ou ao menos, inventado uma estória estapafúrdia, para rejeitar minhas insinuações. Pelo contrário, você incitou ainda mais. Aí, deu no que deu. Eu poderia ter dito não? Como assim? Você sabe que, naquele tempo, dizer não para você era o mesmo que rejeitar o ar que respiro.

Por que você me chama de safado? Sou a parte frágil nessa história louca e irracional. Naquele dia, lembra?, na escola, quem foi que veio com propostas indecentes? Quem ficou o tempo todo planejando coisas para fazermos assim que ficássemos a sós? Eu poderia ter saído, eu sei. Contudo, mais uma vez, você se aproveitou da situação, jogou todo o charme, me seduziu e conseguiu o que queria. Eu queria também, mas já estava pra sair, pra ir embora, quando você me puxou, lembra?

Não vou me servir mais de suas migalhas. Cansei. Chegou o ponto de romper com tudo isso. Ou rompo ou ficarei estagnado por muito tempo ainda. Você zomba, né? Lembra da última vez que estivemos bem próximos? Lembra que não aconteceu?  Então, já me sinto mais forte para resistir ao teu canto. Você não estava afim, por isso não rolou? Ha, ha, há... Nunca quer ficar por baixo, né? Você não admite que hoje consigo resistir aos meus instintos.

Agora sou dono do meu eu. Tenho domínio sobre mim. Vou seguir adiante. Não quero seu abraço. Já disse, preciso romper com você, com esse passado que me aprisiona, que me impede de viver bem o presente, quem me deixa paralisado para planejar o amanhã.

Então, tchau. Adeus.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Deus em Lady Gaga: um hino aos marginalizados

Se eu já era fã dela, depois desse texto e de outros que li a respeito de Lady Gaga, agora sou mais ainda. 

Nesse tempo de trevas, tempo no qual os sacerdotes de "deus" (uso com "d" minúsculo mesmo, porque a divindade pregada por tantos líderes religiosos, hoje em dia, não é a mesma que eu acredito) vociferam nos púlpitos tradicionais e modernos (TV, Rádios, Sites, Redes Sociais) contra milhões de pessoas que não nasceram heteressexuais, uma pregação carregada de ódio, ira, terror, contrariando os princípios básicos do evangelho de Cristo, ícones como Gaga renova a esperança de dias melhores dentro de mim.

O que muita gente não percebe é que o mesmo discurso utilizado para condenar ao inferno, a uma vida marginalizada, ao ostracismo, os gays nesse tempo, foi o mesmo utilizado para condenar mulheres, índios e negros ao longo da história.  

Ontem, milhares de evangélicos e católicos ocuparam o gramado do Congresso Nacional para protestar contra a criminalização da homofobia e contra o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo STF. Eu tenho certeza que se Jesus tivesse nascido nesse século, Silas Malafaia, Dom Aldo Pagotto, Júlio Severo e tantas outras vozes, teriam a mesma atitude que os fariseus tiverem no início da Era Cristã. As mesmas vozes que proclamam nas ruas contra direitos básicos para os LGBTs, seriam as mesmas que escolheram soltar Barrabás a Jesus Cristo. E acredito que a presidente Dilma seria Pilatos nessa história toda.

Lady Gaga consegue, através de seu jeito inédito e de suas músicas sensacionais, levar a mensagem divina a muitos adolescentes, jovens e adultos que se sentem excluídos pelas instituições religiosas oficiais. Vamos ao texto: 

As músicas de Lady Gaga são um hino para os marginalizados, na opinião de Helen Lee, especialista em teologia e comunicação da Fordham University, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio Busted Halo, revista eletrônica dos padres paulinos dos Estados Unidos, 11-02-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto

Eis o texto.

O single de Lady Gaga Born This Way [assista ao clipe aqui] é um hino ao diferente. A música oferece palavras de encorajamento a todos que estão às margens da sociedade, incluindo homossexuais, membros de minorias raciais e até mesmo os "deficientes". Ela afirma que "Deus não comete erros" e depois acrescenta:
Se as deficiências da vida [Whether life’s disabilities]
deixaram você desamparado, assediado ou provocado [left you outcast, bullied or teased]
regozije e ame-se hoje [rejoice and love yourself today]
Porque, baby, você nasceu assim [’cause baby, you were born this way].
Gaga está espalhando as boas novas de Jesus Cristo, seja intencionalmente ou não. Suas opiniões sobre o celibato, sobre a força pessoal e a individualidade certamente são louváveis. E muito mais convincente é o que ela tem a dizer sobre a natureza humana e o sofrimento humano.

Ao contrário de Madonna, a quem ela é muitas vezes comparada, Lady Gaga parece compreender que a natureza humana não é redutível ao sexo. Os seres humanos são complicados, e Gaga capta isso. Podemos ser feios – é verdade –, mas Gaga entende que a beleza humana só tem sentido em contraste com a feiura humana. Então, sim, somos monstros (decaídos), mas, como diz a canção, "nascemos para sobreviver" (nascidos para a vida eterna).

Pelo fato de a Lady Gaga ser capaz de abraçar o feio e, ao fazer isso, abraçar o bonito, ela tem uma sensibilidade e um apreço pelo inevitável sofrimento humano. Ela reconhece que as pessoas lutam constantemente com a sua natureza decaída, incertas de seu potencial para serem boas. Ela reconhece que a vida deixa as pessoas para baixo. E, assim como ela sempre impele seus monstrinhos [como ela chama seus fãs] a amar a si mesmos, ela acrescenta (em Born This Way):
Seja prudente [Give yourself prudence]
e ame seus amigos [and love your friends].
A partir da sua atenção ao sofrimento humano, ela me lembra do tema cristão da união dos sofrimentos pessoais aos sofrimentos de Cristo. Gaga está exigindo que os marginalizados sejam visto como valiosos, bonitos, por serem pessoas como Cristo.

Lady Gaga, sem dúvida, é excêntrica. Ela pode ser grotesca. Ela pode ser vulgar. Mas é um modelo de virtudes cristãs, precisamente porque parece improvável que ela o seja. Ela tem o potencial de introduzir Deus a tantas pessoas, precisamente porque não parece que ela esteja fazendo isso. Lady Gaga está dizendo a um público enorme e dedicado que Deus o ama.


PS: meu blog tá ficando muito militante, né? Mas sempre escrevi sobre minhas inquietações. E nada mais me inquieta, atualmente, do que essa onda homofóbica que me deparo todos os dias, em vários lugares, quase todas as horas.

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