sábado, 2 de junho de 2018

Deus na boca da mulher pedinte



Eu não costumo “ajudar” pedintes nas ruas e no transporte coletivo de João Pessoa. Poucas vezes vejo sinceridade em quem pede. Posso ir para o inferno por causa disso? Antes o inferno do que o céu com Silas Malafaia, Edir Macedo, Marcos Feliciano e toda a corja espiritual brasileira...

Dias atrás eu vinha da aula de Jornalismo na UFPB. Peguei o 1510. Quando o ônibus chegou ao José Américo e parou em um dos vários pontos do bairro, uma senhora subiu e pediu a alguém que pagasse a sua passagem. Eu tinha a impressão de já tê-la visto em algum lugar. Uma jovem, que estava sentada ao meu lado, foi até o cobrador e pagou.

Assim que a senhora entrou começou a pedir. Aí lembrei dela. Eu estava em um ônibus, há uns dois anos, acho que vindo de Tambaú, quando a senhora fez a mesma coisa: subiu no busão, pediu que alguém pagasse a passagem e depois começou a pedir, contando que estava passando necessidades e tal.

Eu dei, naquela vez, acho que uma moeda de R$ 1,00.

Quando ela estava perto dos últimos bancos, ela cismou com uma senhora que estava sentada. Começou a discutir e proferir palavras ásperas contra a mulher que,  segundo a  pedinte, tinha resmungado alguma coisa. “Se não quiser ajudar, não reclame”, “Deus vai te castigar”, “De de que adianta ir pra Igreja e não ajudar o pobre”, etc. Eu fiquei constrangido com a cena e com a forma da pedinte agir.

Dava para ver pelas roupas que ela devia ser de alguma das milhões de igrejas evangélicas que se multiplicam no Brasil todos os segundos.

Pois então. Quando ela entrou no 1510, eu lembrei da cena passada anos antes.

Ela começou a pedir. Não dei nada. Fiquei imaginando se ela iria começar alguma discussão também. E de repente, com uma passageira que estava sentada no banco ao lado do meu, ela começou a discutir.

De acordo com a versão da pedinte, a passageira teria falado para sua colega que estava no mesmo banco: “tu vai ajudar?”. Ela escutou a começou a proferir as mesmas palavras que da outra vez, mas bem mais fortes, inclusive criticando o fato de a senhora que questionou a outra do lado, usar um terço, falando que aquele Deus dela estava morto, que ela ia para o inferno, que maldições iam cair sobre ela e outras pregações típicas de religiosos fundamentalistas.

Eu estava com um livro na mão, mas não consegui mais me concentrar. Todo mundo no ônibus ficou olhando para aquela senhora indefesa que entrou no coletivo graças a uma passagem paga, que tinha pedido ajuda pelo amor de Deus, usar o nome do divino para jogar palavras carregadas de negatividade em uma pessoa.

Ficamos todos aliviados quando, poucos minutos depois, a pedinte missionária desceu em outra parada. E desceu falando de maldições e outras coisas que o cara lá de cima vai fazer em quem não ajudá-la.

Mais um motivo para eu não querer ir para o céu. Além dos senhores de terno e gravata citados no começo do texto, não quero ter a companhia dessa senhora por toda a eternidade. Pelo menos não no céu que essas igrejas  pregam nos cultos dominicais.

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