A reportagem especial da Veja desta semana é sobre o perdão. Assinada pela jornalista Ana Claudia Fonseca e com reportagem de Júlia Carvalho, O poder do Perdão, é uma leitura agradável e bem documentada. Em oito páginas, a revista diferencia o perdão religioso do perdão laico. Detendo-se, em especial, no último.
Falar em perdão é muito difícil. Na religião cristã, padres, pastores, religiosos (as) em geral, ressaltam o perdão como uma grande virtude. Jesus mesmo disse que devíamos perdoar nossos inimigos setenta vezes sete o número de vezes que for necessário. Na prática, isso não ocorre. Quando alguém nos fere, nos agride, seja em palavras, gestos ou fisicamente, a primeira reação que temos é de revidar. Isso faz parte do instinto natural do ser humano. Quando eu era evangélico, o pastor da Igreja que eu fazia parte, explicava que não era pecado reagir quando formos atacados, ou seja, em legítima defesa. Lá era ressaltado sempre o perdão de Deus a nossos pecados. Mas o perdão que pressupõe o reconhecimento da culpa, um arrependimento sincero e uma disposição para apagar os ressentimentos, pouco ou nada era ressaltado. São essas as três características que a reportagem coloca como o perdão laico, aquele que é próprio da pessoa humana, sem nenhuma interferência religiosa.
O perdão é visto, pela reportagem, como uma via de mão dupla nas faces da vida contemporânea – ente marido e mulher, entre colegas de trabalho, entre nações, entre empresas e consumidores. Mas nem sempre foi assim. Essa idéia de perdão é recente na história ocidental. O filósofo David Konstan assinala que até o Iluminismo, no século XVIII, o perdão só existia com a intermediação divina. Em várias sociedades, por exemplo, os erros humanos eram atribuídos ao capricho dos deuses, como na Grécia antiga.
O sentido moderno de perdão, separado, portanto, da religiosidade, surgiu com Kant. Ele insistia na autonomia moral do homem em relação a Deus, possibilitando um entendimento secular de perdão entre as pessoas, na qual o remorso e a mudança interior do agressor deveria ser julgada pela pessoa ofendida e não mais por Deus, vendo o agressor como merecedor do perdão. O texto continua afirmando que a pessoa que se arrepende de seus erros não faz isso por ser virtuoso, mas porque a natureza humana é capaz de mudar.
Outro filósofo, Charles Griswold, estabelece três passos básicos para obter perdão. Assumir a responsabilidade pelo erro, repudiar claramente o erro, mostrando que não se pretende repeti-lo e, por último, exprimir arrependimento pela dor causada ao próximo.
Um aspecto importante destacado na matéria é o benefício que o perdão traz para a saúde dos envolvidos. Não é necessário fazer uma pesquisa científica para se comprovar isso. Se olharmos ao nosso redor e observamos as pessoas mais infelizes, mais angustiadas, que já não possuem mais a força vital da existência, a história de vida delas está associada a fatos pretérito que lhes causaram mal e a não liberação de perdão. A psicóloga Ana Maria Rossi disse que quem não perdoa não se liberta da raiva e revive o erro o tempo todo, o que acaba se tornando uma poderosa fonte de stress. Um estudo da Universidade Harvard revelou que o risco de sofrer problemas cardíacos é duas vezes mais alto em pessoas que guardam rancor de maneira prolongada.
Não perdoar só prejudica a pessoa ressentida.
A revista Veja chegou a minhas mãos na quarta-feira pela manhã assim que cheguei da faculdade. Relutei em ler. Passei por uma experiência nada agradável nesses dias últimos. Mas nada é por acaso. Na mesma semana que vivi essa experiência a reportagem de capa da revista que assino é sobre perdão. Pensei em ler ontem pela manhã e escrever um texto a respeito depois. Mesmo assim esperei. Ontem à noite, de repente, veio um desejo incontrolável de resolver a situação que estava me deixou ofendido e magoado. Mandei um e-mail. Recebi a resposta. Fiquei em paz, tranqüilo, renovado interiormente. Só depois do programa Direção Espiritual com Padre Fábio de Melo na Canção Nova é que fui ler a revista. Sem medo. Sem ressentimento. Antes de ler a última frase da reportagem eu já havia, há pouco tempo, experimentado a sensação de liberdade que se apodera de quem perdoa e está disposto a começar uma nova história.
Perdoar, antes de ser um gesto de amor ao próximo, é um gesto de amor próprio.