As crianças também amam? Não sei o que os especialistas no assunto pensam a respeito, mas pela minha própria experiência garanto que sim.
Todo mundo que me conhece, que me ler, que me segue no Twitter, que me tem no Facebook ou Orkut sabe que tenho uma personalidade exageradamente romântica. O que essas pessoas não sabem é que carrego esse problema desde quando era criança, desde quando o mundo dos desenhos animados se confundia com a realidade concreta.
Não consigo lembrar qual foi o ano da primeira garota que gostei. Minha memória não é precisa nesse sentido, mas consigo lembrar de todas que gostei. Meninas da minha idade, meninas mais velhas, professora do ensino infantil e até apresentadoras da TV.
Meu primeiro beijo foi com a filha de um colega de trabalho de meu pai. Não foi uma única vez que nos beijamos. Mas um dia eu tava com vergonha porque nossos pais estavam próximos, então decidi ir pra casa. Pra que fui fazer isso. Ela veio atrás de mim e enquanto eu pulava a cerca fugindo dela, fui atacado com um cabo de vassoura. Não lembro se chorei. Lembro que doeu pra caramba. Se fosse nos dias hodiernos eu iria a Justiça processá-la baseado na Lei Maria da Penha. Mas a Maria da Penha não é uma Lei de proteção das mulheres?, pode alguém perguntar. Sim, contudo, tenho aprendido no curso de Direito que no meu caso eu poderia usar a analogia.
Outra menina que eu tive um caso era carioca. Não lembro do nome dela. Era sobrinha de uma vizinha nossa. Veio do Rio de Janeiro passar uma temporada na casa da tia, junto com a mãe. Crianças têm uma facilidade pra fazer amizades, né? De novo no local de trabalho do meu pai. Num instante que nossos pais não prestavam atenção, eu a chamo para um canto e peço um beijo a ela. Gostei. Pedi outro e mais alguns outros. Fiquei apaixonado. Quando ela foi embora, eu sonhava todas as noites com seu retorno. Hoje estou com vinte e três anos e isso não ocorreu.
Outra paixão infantil foi a filha de uns amigos de meus pais que moravam em Cuitegi, cidade próxima à minha. De vez em quando íamos a casa deles e eles vinham à nossa. Eu a achava linda. Sua cor de canela. Uns cabelos bonitos, lisos, pretos. Era doido pra vê-la sempre. Uma vez, ela veio com seus pais e suas irmãs lá pra casa. Foram, durante a tarde, no local de trabalho do pai, sempre lá que acontecia essas coisas. Enquanto nossos pais conversavam distante de nós, fomos nos dirigindo para um lugar atrás da estação de tratamento de água. Lá ela me pediu em namoro. Certamente eu deva ter ficado corado, porque na hora me senti cheio de vergonha e de timidez. Eu disse que meus pais não deixavam. Mas no fundo eu queria namorá-la. Nos beijamos uma vez. Dessa vez não foi eu que tomei a iniciativa. Ela pediu outro beijo, neguei porque vi que nossos pais estavam se aproximando. Ela insistiu. Eu fui me afastando e sem ver acabei batendo com a testa na quina de uma parede. Saiu tanto sangue nesse mundo. Até hoje tenho uma pequena cicatriz na minha testa, está sumindo, mas dar pra ver ainda. Depois desse evento não nos vimos mais. Os pais foram morar em outro estado. A última notícia que tive foi que ela estava morando com um traficante. Se eu tivesse aceitado aquele pedido de namoro...
Havia uma professora na escolinha que eu estudava que me encantava. Ela era nova. Não me ensinava, mas sempre estava por perto. Sempre eu sonhava com ela em minhas noites infantis. Anos depois nos encontramos numa Igreja evangélica. Era estava noiva e casou. Mas nesse tempo eu já não gostava dela.
Minha outra paixão surgiu na segunda série. Uma coleguinha. Essa paixão durou até algumas séries posteriores. Mas eu fui crescendo e aquela desinibição que eu tinha quando era menor foi desaparecendo. Nunca me declarei pra ela. Sempre brincávamos na escola, na praça da cidade, no pátio da casa dela, nos ônibus da prefeitura. Eu sempre desejando chegar um momento de beijá-la. Uma vez eu disse a uns colegas da escola isso. Eles passaram a ameaçar a contá-la que eu gostava dela. Para que isso não me ocorresse era obrigado a dar uma mesada a eles. Isso durou um bom tempo. Meu pai sempre me perguntava por que eu pedia tanto dinheiro, eu dizia que era pra pagar os picolés fiados que eu comprava em frente à escola. Pois é, eu já fui extorquido. Mas o tempo passou, fui descobrindo outras meninas. Nos separamos de série, nos encontramos novamente no ensino médio. Pouco depois ela casou. Hoje está divorciada e com uma filha. Será que amores de infância podem voltar?
Tive duas outras paixões durante a infância. Eu estava à beira da adolescência. Estudava o Catecismo para fazer a Primeira Eucaristia. As duas estudavam comigo. Uma morava num Engenho. Estudava em Guarabira. Sempre passava, junto com a irmã e um peão, cada um num cavalo bonito. Eu ficava todos os dias em frente de casa para vê-la passar na ida pra escola e na volta pro Engenho. Aguardava com ansiedade o sábado do Catecismo. Nem precisa dizer que eu sonhava com ela, né? Nesse tempo eu tinha me tornado muito tímido, por isso nunca rolou nada. Tempos depois o Engenho do pai faliu. Tiveram que vender e foram morar fora. Nunca soube notícias dela.
A outra morava na cidade mesmo. Sua rua não era muito distante da minha. Essa paixão durou mais tempo. Todas as vezes que eu saía da escola eu passava em frente da casa dela. O pior é que um monte de outros garotos era afim dela também. Meu melhor amigo de infância era um. Na formatura da quarta-série, eu e meu amigo disputamos o convite para ela ser a madrinha na festa. Uma vez eu e ele, na minha bicicleta, ficamos indo e voltando sem coragem de chamá-la. Numa dessas voltas, acabamos caindo em frente de sua casa. Ela saiu junto com a avó. Foi aí que ambos fizemos, ao mesmo tempo, o convite. Resultado: nem eu nem ele tivemos o prazer de tê-la como madrinha. Mas a paixão não morreu. Eu ia sempre com ele, durante a tarde, observá-la em um beco que dava para seu quintal. Algum tempo depois ela foi morar em outra cidade. Soube, alguns anos atrás, que tinha casado. Da última vez que a vi estava gorda, sem a beleza que havia me encantado nos meus dez e onze anos.
Eu nem falei que também fui apaixonado por Xuxa e Angélica. Então, eu sonhava com elas. Eu ficava com um ciúme danado quando assistia filmes que elas beijavam outros atores. Eu sempre me imaginava fazendo filmes com elas, beijando-as, salvando-as de algum perigo mortal.
O interessante é que minha história de vida, de meus afetos, sofreu uma involução. Nos primeiros oito anos de vida, eu quando era afim de uma menina ia atrás. Fui crescendo e isso em vez de aumentar foi diminuindo. Cheguei à adolescência muito tímido. Só uma vez ocorreu uma exceção, mas outro dia relato aqui. No meu tempo de evangélico tive três paixões, mas nunca tive de coragem de contar a elas. Eu me achava feio, fora de moda e, portanto, sem chances perto delas. Claro que não gostei das três concomitantemente. A última menina, já no fim de minha ilusão amorosa, contei a ela, mas nada aconteceu. Fui me retraindo ainda mais. Cheguei à casa dos vinte anos todo fechado. Entrei no curso de História e só no quinto ano fui me soltar, mas aí é outra história que não dar pra contar agora. Nesse ano, minha timidez está indo embora. Já namorei. Há dois dias teve uma festa de confraternização devido o Congresso Jurídico que ocorreu na UEPB. Lá, pela primeira vez, tomei a iniciativa de beijar uma menina, sem que ela antes tivesse dado em cima de mim. Pela primeira vez desde que a timidez se tornou um traço marcante de minha personalidade, porque, como escrevi acima, nos meus primeiros anos de vida a coisa era diferente...