sábado, 11 de junho de 2011

Neto outra vez

 


Fui à casa de minha avó. Lá me senti novamente neto. Sensações de uma infância perdida, ou melhor, realizada, voltaram durante aquela tarde. Aquele fim de tarde. Coisas extraordinárias sempre acontecem no fim da tarde.

Sou muito influenciado por Paulo Coelho. Em um trecho de O Alquimista, Santiago, em dúvida se ficava com as suas ovelhas ou ia buscar o seu tesouro, se decidia entre uma coisa que estava acostumado ou outra coisa que gostaria de ter, pensa também na filha de um comerciante que ele tinha conhecido um tempo atrás. Iria ver a moça em dois dias. Mas ele refletiu que se fosse lá, em dois dias, a moça não iria notar, porque para ela todos os dias são iguais. Assim, quando todos os dias ficam iguais, é porque as pessoas deixaram de perceber as coisas boas que aparecem em suas vidas sempre que o sol cruza o céu.

Os milagres da vida são cotidianos, às vezes tão banais que muita gente, ou a maioria das pessoas, nem percebem. O mundo contemporâneo é tão agitado, exige pressa em tudo, que leva ao afastamento das relações afetivas com pessoas próximas. Por isso, somos levados a buscar e somente acreditar em milagres extraordinários, aqueles sobrenaturais, que fogem a qualquer explicação científica.

Jesus uma vez disse, diante de uma multidão, que aquela geração era uma geração perversa; pedia um sinal, mas não se lhe daria outro sinal senão o sinal do profeta Jonas. Tudo já estava profetizado. Mas as pessoas necessitam de sinais, de milagres, de realizações sobre-humanas para que a fé permaneça. Tudo isso porque as pessoas igualam todos os dias e não percebem as diferenças e os acontecimentos sublimes do cotidiano.

Então, naquela tarde, alguns milagres aconteceram. O primeiro deles, claro, foi eu ter ido. Não que nunca vá a casa dela, mas, devido às coisas da faculdade, concursos públicos para estudar e outras besteiras, sempre termino adiando minha visita. Mas sempre que chego lá, não sou o mesmo. A porta da casa torna uma entrada para uma realidade que rompe com o meu mundo.  Dessa vez até o celular desliguei. Sinto-me criança, me sinto aquele pirralho que esperava chegar às férias, a época junina, os feriados para ir ao sítio, tomar banho de barragem, correr pelas ladeiras, subir nos pés de fruta. É impossível eu ir lá e as reminiscências não voltarem.

Eu tenho alguns gostos culinários estranhos. Por exemplo, não como peixe fresco. Só como peixe seco, e só três tipos de peixe assim. Minha avó sabe disso. Quando chego lá ela sempre me avisa se tem ou não o peixe que gosto. Dessa vez tinha. Ela assou uns. Comi. E com farinha. E café quente também. Parece coisa daqueles retirantes, muitas décadas atrás, quando saíam fugindo da seca no sertão, imagens tão bem retratadas em vários livros da literatura regionalista. A propósito, em vários trechos de romances de Zé Lins do Rego e Rachel de Queiroz, as narrativas eram bem parecidas com as minhas aventuras e experiências quando criança.

Foi um encontro do passado com o presente. O passado não está morto. Está tão vivo quanto o agora. Obviamente, ninguém que reviver experiências traumáticas, mesmo assim, vez ou outra, sem querer querendo, como diria Chaves, vivenciamos. Mas quando as lembranças são positivas ninguém quer esquecer. Pelo contrário, se pudéssemos gravaríamos em algum dispositivo de armazenamento, para assistir sempre que a saudade batesse.

Saí de lá feliz. Feliz por ter feito minha avó feliz com a minha visita. Feliz por ela me feito feliz. Feliz porque aquela tarde não foi igual às outras. Aliás, todas as tardes, todos os dias são diferentes dos outros. Mas, estamos tão acostumados com a rotina, estamos sempre tão ocupados que nem percebemos as diferenças sutis entre os dias. E pior ainda: nem enxergamos os milagres que estão ao alcance de todos que se deixam envolver com a magia da simplicidade.

Enfim, voltando a Paulo Coelho, narrando o que uma velha que interpretava sonhos disse a Santiago: as coisas simples são extraordinárias, e só os sábios conseguem vê-las!

2 comentários:

  1. Foi um encontro do passado com o presente. O passado não está morto. Está tão vivo quanto o agora. Obviamente, ninguém que reviver experiências traumáticas, mesmo assim, vez ou outra, sem querer querendo, como diria Chaves, vivenciamos.

    Adoro o jeito com que escreve, nos transporta pra um universo vivido na infância de uma maneira muito gostosa, é como se você comece uma maçã vermelha e muito doce, eu adorei, tenho saudades de minha avó, ainda recordo lembranças dela, tipo o leite quente que ela sempre deixava pra mim quando acordava e quando chegava do colégio quando eu estava na quarta série, adorei, que ótimo escritor é vpcê.

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  2. Lindo texto e bela reflexão num dos livros q mais marcou minha vida, "O Alquimista".

    Qta sensibilidade em suas palavras, colega guerreiro da luz :)


    Mariazinha

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