quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Saindo do armário para entrar na subcidadania? Uma reflexão sobre a cidadania numa sociedade heteronormativa


O Brasil se constitui como Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Um dos objetivos fundamentais, segundo a nossa Carta Maior, é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Na prática, o texto constitucional não se concretiza. Além das enormes desigualdades sociais e regionais, a diversidade sexual, ainda, constitui óbice a direitos essenciais das pessoas. O Estado brasileiro trata diferentemente seus cidadãos com base no sexo, o que contraria expressamente seus princípios fundamentais.

Um conceito que ajuda a entender essa realidade é o de heteronormatividade que expressa às expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e, portanto, fundamento da sociedade. Pela lógica da heteronormatividade, todas as pessoas devem ser heterossexuais e todos os bens produzidos pela sociedade, sejam eles materiais ou simbólicos, são destinados para quem vive segundo seus preceitos.

Os direitos fundamentais se referem aqueles direitos sem os quais o ser humano, se não os tiver, não se realiza completamente. Na perspectiva liberal, seriam esses direitos à liberdade, à propriedade, igualdade formal e segurança jurídica. Mais adiante, com as mudanças ocorridas na sociedade ocidental, sobretudo a partir das mudanças advindas da industrialização, novas necessidades foram surgindo, com isso novos direitos foram gestados, não sem muita luta política, como o direito à educação, à saúde, à previdência, ao um ambiente saudável, dentre outros. 


A sociedade mudou muito. Ocorreram avanços em vários aspectos. Até bem recentemente, se comparado com a história milenar de exclusão, era impensável ver uma mulher no mundo público. O direito foi, por muito tempo, destinado aos homens. Basta lembrar o fim que levou Olympe de Gouges, na França revolucionária, quando pensou numa Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã. Apesar da assimetria de gênero ainda ser uma triste realidade no Brasil, ninguém mais defende, pelo menos publicamente, a violência contra a mulher ou a sua não inserção na esfera pública.

Conquanto todas as mudanças ocorridas no campo do direito, seja no aspecto político, social ou mesmo de gênero, homens e mulheres que contrariam à heternormatividade continuam a serem tratados de forma discriminatória e desigual formal e materialmente na lei. Ora, se os direitos fundamentais são direitos sem os quais o ser humano, se não os tiver, não se realiza completamente, como explicar que a sexualidade de algumas pessoas ainda obsta a concretização desses direitos? Daniel Borrilho disse que a homossexualidade permanece um obstáculo a plena realização de direitos.

Numa sociedade pluralista, como a brasileira, todas as pessoas, com todas as suas diferenças, sejam elas religiosas, políticas, de cor, idade, sexo ou de orientação sexual, deveriam ser contempladas pelo ordenamento jurídico nacional. Infelizmente não é.

Apesar de avanços recentes na jurisprudência, sobretudo o reconhecimento da união estável entre homossexuais, a legislação trata desigualmente indivíduos que não são heterossexuais, não para fazer a justiça, como pensou Rui Barbosa em sua “Oração aos Moços”, mas para obstaculizar direitos essenciais, como o casamento civil, a adoção e a criminalização da homofobia.

Para Maria Berenice Dias, sem liberdade sexual o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe faltam qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais. Até mesmo essa liberdade é negada, uma vez que, em vários lugares, a manifestação pública de afeto entre indivíduos do mesmo sexo pode acabar em violência grave, indo até a morte, com a mídia tem mostrado constantemente. A propósito, o Brasil, apesar de ter a maior Parada da Diversidade Sexual do mundo, também, é o país onde mais gays, lésbicas, bissexuais e transgênicos são assassinadas.

Sair do armário é uma expressão usada para se referir aos não heterossexuais que decidiram declarar sua orientação sexual. Mas muitos preferem ficar nas sombras, em guetos, porque sair do armário implica enfrentar o preconceito e a discriminação familiar, social e até jurídica. De certa forma é entrar na subcidadania, uma vez que mesmo tendo os mesmos deveres que homens e mulheres heterossexuais, não encontram os mesmos direitos disponíveis na Legislação.

O Brasil só será realmente um Estado Democrático de Direito quando todos seus cidadãos sejam tratados iguais formal e materialmente, sem quaisquer tipos de preconceitos e discriminação, incluindo nesse rol, a orientação sexual.

Também publicado no blog de Kiko Riaze

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