A vida...
Ah vida! Não compreendo bem as tuas nuances. Confesso que te amo, mesmo que as dores que você traz muitas vezes sejam impossíveis de explicar, não consigo não te amar. Mas hoje...
Hoje você foi muito cruel. Foi covardia, chego a pensar. Por que você fez isso? Não vida, não encontro palavras que possam descrever meu estado de espírito, a dor que inflama a minha alma, a tristeza que inunda o meu ser.
O dia de hoje tinha tudo para ser normal. O professor de Sociologia e Antropologia não foi hoje. Mesmo assim, nada de anormal. Eu discuti com muitos colegas de classe defendendo minhas idéias a respeito à sexualidade. Confesso que não gostei muito, mas até aí, nada fora do comum, até porque alguns vieram falar comigo depois falando que foi brincadeira o que disseram. Fui comprar uma estante de ferro para colocar meus livros. Não é sempre que compro coisas móveis para o meu quarto, mas tudo isso era esperado. Assim que como era esperado, no sentido de que não foi algo absurdo, incomum, a falta do professor. Como era esperado que meus colegas de Direito, que são heteronormativos, falasse o que ouvi. Essas coisas eram esperadas. Mas...
Chegar a minha cidade, antes mesmo de descer do carro, e ver uma movimentação de pessoas assustadas, desesperadas, ávidas por informações de algo ainda não claro, não era esperado.
E não era mais esperado ainda o que ouvi das pessoas que estavam desde a parada de táxi até a praça principal de minha cidade, assustadas, falarem o que aconteceu. Não, Deus queira que tudo ocorra bem, que um milagre aconteça, era o que eu e as pessoas esperávamos. Isso era esperado. Mas nem sempre o que a gente espera acontece... Por que vida? Por quê?
Eu tava com um a estante desarmada nos braços, mas ainda assim consegui parar um instante e ouvir informações que todo mundo queria saber, que todo mundo torcia para não ser verdade.
Cheguei na minha casa. Não encontrei minha mãe. Ela estava na praça, junta com uma multidão de pessoas, querendo saber as informações difíceis de aceitar. Até ai, todo mundo esperava um milagre, a intervenção divina para aquele caso já dado como terminado, mas a fé busca um milagre. O esperado milagre não veio. Por quê? Ah, vida... Vida, vida, vida...
Rodrigou morreu. Estava no mercadinho do pai. Subiu para o andar de cima, que está sendo construído, para dizer ao pai que iria cortar o cabelo. O pai não estava mais. Quando ia descer, escorregou e chocou-se num fio de alta tensão. As pessoas que viram o acontecido já comentavam a respeito de sua morte. Mesmo assim, é próprio do ser humano esperar, em casos assim, uma solução impossível aos olhos humanos. A fé pode tudo, não é verdade? Mas...
Rodrigo não era meu amigo. Fui professor de História de Rafael, seu irmão, no 8º ano e um bimestre do 9º ano. Rafael é um cara que estimo muito. Bem agitado na escola, diferente do que me diziam a respeito de Rodrigo. Mas isso não me faz não gostar dele. Tive algumas aulas da crisma com Rodrigo. Mas ele se crismou antes. Observei muitas vezes, nas missas dominicais, ele, Rafael, seu Severino e dona Margarida, sentados no primeiro banco da Igreja. Uma família de fé católica considerável.
Rodrigo sempre me cumprimentava quando me via. Educado. Atencioso. Trabalhava no mercadinho do pai. As compras de minha casa são feitas lá. Meu pai gosta muito de seu Severino. Um empresário atencioso com seus clientes.
Um jovem de 16 anos que tinha tudo para ter um futuro brilhante, mas que teve seus sonhos e desejos interrompidos abruptamente pela vicissitude da vida.
Quem me conhece sabe que toda vez que morre uma pessoa jovem eu fico triste. Penso nos sonhos que ele ou ela teve e das oportunidades de realizar que não teve. Morrer um/uma jovem é uma coisa que não compreendo e que nunca vou compreender. O ser humano existe para viver planamente a existência e morrer quando o corpo físico não se adequar mais as situações terrenas. Por pior que seja o comportamento de um/uma jovem, é difícil aceitar quando ele/ela tem a linha da vida cortada. E quando morre um jovem, como Rodrigo, que todo mundo gostava, que todo mundo sabia que ia ser um cidadão honesto, trabalhador, de fé e que podia contribuir na construção de um mundo melhor, aceitar é quase impossível.
Chorei por Rodrigo. Perguntei-me e continuo a me perguntar: Por quê? Por que Rodrigo? Não encontrei resposta. Deus o chamou? Não acredito. Prefiro acreditar que foi um acidente a pensar que Deus tenha feito isso. Não. Pelo contrário, o projeto divino é de vida plena; Jesus veio para deixar esse projeto mais viável. Deus não interrompe a vida imatura de uma pessoa. Por quê?
Não sei mais o que dizer. Já rezei por Rodrigo. Mas vou rezar mais ainda pelo seu pai, sua mãe e seu irmão. Sei que Deus vai consolar essa dor inconsolável. Mas, ainda assim me pergunto: Por que Rodrigo morreu?