quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A escola e o bullying

A escola é uma instituição fundamental na construção de nossas identidades pessoais. Os anos passados, da infância à juventude, no espaço escolar, marcam para sempre a vida dos estudantes. Ter uma escola aberta à diversidade, ao respeito, à pluralidade é de suma importância na construção do cidadão do futuro.

 

Diante disso, a violência e insultos no lugar do respeito, aprendizagem e brincadeiras, no espaço de ensino por excelência, destoa de seus propósitos vitais. Essa realidade é vivenciada por centenas de crianças e adolescentes vítimas de bullying nas escolas, ambientes que têm como dever a proteção e a formação cidadã.

 

O bullying “se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder”.

 

O pior de tudo, além da agressão sofrida por alunos, seja pela cor, orientação sexual, classe social, forma física, religião ou qualquer outro fator que contribua para o bullying escolar, é o despreparo dos professores e professoras para lidarem com a situação. Alguns silenciam, outros colaboram, através das risadas, com a violência escolar.

 

Segundo a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a educação, visa o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Além disso, o ensino deve ser ministrado com base no respeito à liberdade e apreço à tolerância. Ou seja, a educação oferecida nas escolas, deve propiciar à criança, ao adolescente e ao jovem, as condições necessárias para o crescimento intelectual, emocional e físico dessas pessoas.

 

Portanto, se queremos ter no futuro pessoas que saibam respeitar o outro, o diferente, porém semelhante na humanidade comum, se queremos uma sociedade menos violenta, menos agressiva, devemos começar pela base de tudo, ou seja, a educação, cortando os males que infestam o ambiente escolar, como o bullying, capacitando professores (as) e trabalhando com um ensino que promova uma cultura de paz nas escolas

sábado, 19 de novembro de 2011

Diante do novo...



Preciso ousar. Experimentar algo não imaginado. Permitir que sentimentos novos tomem conta de mim. Me permitir viver algo ainda não sonhado.

E se não der certo? A incerteza sempre existe. Que graça teria a vida se tivéssemos todas as certezas? Mesmo assim, é humano querer saber o tipo de solo que se vai pisar...

O desconhecimento perturba. A novidade pode desestabilizar meu eu... Tudo que é conhecido é seguro. Pode não ser bom, mas a gente sabe o que esperar. Já o novo...

Mas e se não der certo? A pergunta persiste. A resposta inexiste. Mesmo assim, vou tentar . Não custa nada. O máximo que pode ocorrer é meu coração ficar coberto de feridas. Contudo, já tenho experiências pretéritas que vão me ajudar caso as dores superem o prazer. 

As dores afetivas, quando no auge, parece infindas. Mas passam...

Preciso romper com as verdades estabelecidas no meu ser. Quebrar os conceitos cristalizados nos meus sentimentos. Ir além do lugar cómodo que vivo.

E o horizonte se abre cheio de expectativas. O novo me fascina e me amedronta. Mas vou seguir em frente. Seja o que Deus quiser



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Quem não é político?



É comum muita gente falar que não gosta de política, que não é política e que nunca será. O repúdio a atividade política representativa é legítimo haja vista a forma espúria que nossos representantes, seja no executivo ou no legislativo, atuam. Mas será que o repúdio à Política vale mesmo a pena?

Primeiramente, é preciso diferenciar a Política, com P maiúsculo, da política praticada por vereadores, prefeitos, deputados e todos aqueles eleitos a cada dois anos para governar ou legislar para a população.

As pessoas são sociais por natureza. Minha existência depende da existência do outro. Ninguém vive sozinho no mundo. Precisamos do outro para ter a humanidade garantida. E nessa relação do eu com o outro se forma as relações sociais e políticas.

Agassiz de Almeida Filho, paraibano e um dos melhores constitucionalistas do Brasil, sempre coloca os significados que a Política têm. Um primeiro significado enxerga a política como organização da convivência comunitária. Como falei acima, precisamos do outro para existir e nessa dependência criamos relações sociais e políticas. A partir disso, necessitamos de organizar a nossa vida em comunidade para vivermos bem e em paz uns com os outros. Esse é o primeiro entendimento de política.

Uma segunda compreensão da política está relacionada ao poder. Para a grande maioria das pessoas política é sinônimo de poder. Poder entendido na sua acepção mais comum, ou seja, como mando, ordem, execução... Mas o próprio poder vai além desse entendimento vulgar, como bem mostrou Michel Foucault.

De todo modo, à política entendida como expressão do poder enoja as pessoas devido à corrupção, aos desmandos, aos desvios do dinheiro público, a pouca honestidade de todos que exercem, em nome do povo, como diz a Constituição Federal, o poder político. Na verdade isso não é política, mas sim politicagem.

Mas será que a inércia diante dessa política praticada no Brasil vale a pena? Não é melhor tentarmos reinventar a forma de fazer política e de exercer o poder, a partir da perspectiva da política como organização do espaço comunitário?

João Ubaldo Ribeiro certa vez disse que todo mundo é político. Até quem diz que não é político, que prefere não votar, não opinar, não fazer nada diante do espaço público é político. Como assim? Quando não ligamos pra nada na vida política terminamos assumindo uma atitude conservadora, ou seja, estamos dizendo que tudo está bem e que, portanto, deve continuar, uma vez que a nossa omissão só favorece que está no exercício atual do poder.

Enfim, não tem como fugir da vida pública, da Política. Em vez de só reclamarmos ou ficamos inertes, não é melhor pensarmos em formas alternativas de organizar nossa vida comunitária, nossa cidade, estado e país? Não é preciso ser filiado a algum partido político para pensar soluções para os problemas que nos atingem coletivamente. Só basta ser sujeito político. E todo ser humano, enquanto ser social, é político.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Saindo do armário para entrar na subcidadania? Uma reflexão sobre a cidadania numa sociedade heteronormativa


O Brasil se constitui como Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Um dos objetivos fundamentais, segundo a nossa Carta Maior, é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Na prática, o texto constitucional não se concretiza. Além das enormes desigualdades sociais e regionais, a diversidade sexual, ainda, constitui óbice a direitos essenciais das pessoas. O Estado brasileiro trata diferentemente seus cidadãos com base no sexo, o que contraria expressamente seus princípios fundamentais.

Um conceito que ajuda a entender essa realidade é o de heteronormatividade que expressa às expectativas, as demandas e as obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade como natural e, portanto, fundamento da sociedade. Pela lógica da heteronormatividade, todas as pessoas devem ser heterossexuais e todos os bens produzidos pela sociedade, sejam eles materiais ou simbólicos, são destinados para quem vive segundo seus preceitos.

Os direitos fundamentais se referem aqueles direitos sem os quais o ser humano, se não os tiver, não se realiza completamente. Na perspectiva liberal, seriam esses direitos à liberdade, à propriedade, igualdade formal e segurança jurídica. Mais adiante, com as mudanças ocorridas na sociedade ocidental, sobretudo a partir das mudanças advindas da industrialização, novas necessidades foram surgindo, com isso novos direitos foram gestados, não sem muita luta política, como o direito à educação, à saúde, à previdência, ao um ambiente saudável, dentre outros. 


A sociedade mudou muito. Ocorreram avanços em vários aspectos. Até bem recentemente, se comparado com a história milenar de exclusão, era impensável ver uma mulher no mundo público. O direito foi, por muito tempo, destinado aos homens. Basta lembrar o fim que levou Olympe de Gouges, na França revolucionária, quando pensou numa Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã. Apesar da assimetria de gênero ainda ser uma triste realidade no Brasil, ninguém mais defende, pelo menos publicamente, a violência contra a mulher ou a sua não inserção na esfera pública.

Conquanto todas as mudanças ocorridas no campo do direito, seja no aspecto político, social ou mesmo de gênero, homens e mulheres que contrariam à heternormatividade continuam a serem tratados de forma discriminatória e desigual formal e materialmente na lei. Ora, se os direitos fundamentais são direitos sem os quais o ser humano, se não os tiver, não se realiza completamente, como explicar que a sexualidade de algumas pessoas ainda obsta a concretização desses direitos? Daniel Borrilho disse que a homossexualidade permanece um obstáculo a plena realização de direitos.

Numa sociedade pluralista, como a brasileira, todas as pessoas, com todas as suas diferenças, sejam elas religiosas, políticas, de cor, idade, sexo ou de orientação sexual, deveriam ser contempladas pelo ordenamento jurídico nacional. Infelizmente não é.

Apesar de avanços recentes na jurisprudência, sobretudo o reconhecimento da união estável entre homossexuais, a legislação trata desigualmente indivíduos que não são heterossexuais, não para fazer a justiça, como pensou Rui Barbosa em sua “Oração aos Moços”, mas para obstaculizar direitos essenciais, como o casamento civil, a adoção e a criminalização da homofobia.

Para Maria Berenice Dias, sem liberdade sexual o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe faltam qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais. Até mesmo essa liberdade é negada, uma vez que, em vários lugares, a manifestação pública de afeto entre indivíduos do mesmo sexo pode acabar em violência grave, indo até a morte, com a mídia tem mostrado constantemente. A propósito, o Brasil, apesar de ter a maior Parada da Diversidade Sexual do mundo, também, é o país onde mais gays, lésbicas, bissexuais e transgênicos são assassinadas.

Sair do armário é uma expressão usada para se referir aos não heterossexuais que decidiram declarar sua orientação sexual. Mas muitos preferem ficar nas sombras, em guetos, porque sair do armário implica enfrentar o preconceito e a discriminação familiar, social e até jurídica. De certa forma é entrar na subcidadania, uma vez que mesmo tendo os mesmos deveres que homens e mulheres heterossexuais, não encontram os mesmos direitos disponíveis na Legislação.

O Brasil só será realmente um Estado Democrático de Direito quando todos seus cidadãos sejam tratados iguais formal e materialmente, sem quaisquer tipos de preconceitos e discriminação, incluindo nesse rol, a orientação sexual.

Também publicado no blog de Kiko Riaze

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Uma cicatriz que sempre se abre



Não entendo o motivo da vida, vezenquando, me trazer sentimentos passados. Afetos que foram fortes durante um determinado período, que tiveram início, meio e fim, me assaltam, me fragilizam, me angustiam.

Existe uma eterna saudade que nunca passa. Sempre fica aquele desejo de repetir várias vezes aqueles momentos mágicos vividos a dois. Em alguns instantes desaparece. Em outros voltam. E quando voltam vem com tudo, destruindo certezas, desestabilizando emoções, como se fosse para recuperar o tempo perdido que ficou guardado no meu interior.

São feridas mal cicatrizadas. O processo de reparo na lesão afetiva é sempre incerto. Quando penso que tudo foi cicatrizado, que existe a marca, mas sem nenhuma dor, eis que surge, de repente, a dor. Dor da perda mal explicada. Dor do sentimento recolhido no armário do meu coração.

Assim que sinto a dor, o sangue, da mesma forma que uma represa de água quando estoura, sai com fúria, destruindo tudo que existem pela frente. Nesse momento choro. Já me contive durante muito tempo para expressar meus sentimentos, mas aprendi que reprimi-lo só piora as coisas.

Deixo o sangue escorrer. Deixo a saudade envolver-me por completo. E fico contemplando o ausente que se faz presente em meus pensamentos.

Apesar de minha vulnerabilidade, consigo ser dono de mim, me levanto, tomo um banho frio, e permito que as águas me lavem.

Saio mais aliviado. O sangue já estancou. Olho para meu coração. A cicatriz começa a forma-se novamente. Toco nela. Está sólida. Sorrio de felicidade. Tudo passou. Só queria que ela não se abrisse mais... Mas esse reparo na minha alma nunca é bem feito. Só espero que dessa vez a cicatriz demore a romper.

domingo, 28 de agosto de 2011

A semana que se foi, reflexões sobre Deus e Etc.



Existem semanas que nos marcam profundamente. São aquelas que vários eventos acontecem ao mesmo tempo, durante os dias, gerando sentimentos diversos, reações opostas, mas de alguma forma complementares. É como se após o choque, a dor, o sofrimento viesse imediatamente o gozo, o prazer, a vitória. Ou mesmo o contrário.

Sem nenhuma dúvida, essa semana foi cheia, bem plural. Muitas coisas aconteceram. Coisas boas e más. Alegres e tristes. Todos os aspectos de minha vida foram contemplados. Minhas várias identidades puderam vir à tona diversas vezes. Os aspectos religioso, político, afetivo, sexual, familiar, intelectual, profissional e financeiro, enfim tudo que caracteriza a minha singular pessoa, desabrochou nessa semana que findou ontem.

Não pretendo entrar em detalhes em cada cena que protagonizei. É quase impossível. Daria um livro. Mas algumas coisas, algumas singularidades, aquelas que mais me marcaram, eu preciso escrever. Sinto essa necessidade. Escrever é exorcizar meus demônios, meus medos, meus temores. Escrever também é externar meus júbilos, meus sentimentos mais positivos, meus êxtases. Por isso, vou fazer algumas divagações joelianas.

Em determinado dia, acho que foi terça-feira, algumas coisas aconteceram na minha caverna. Alguns ruídos roubaram a minha paz. De repente me senti inseguro de tudo. O que é pior, inseguro da vida. Não aquela insegurança diante de agentes externos, do tipo que enxameia as páginas policiais. Mas daquele tipo de insegurança que mancha o nosso livro da vida, onde ficam escrito nossos relatos pessoais, nossas angústias interiores, que ninguém ver, mas arde como brasa.

Um amigo me mandou, nesse dia, um sms perguntando como eu estava. Eu me sentia tão sufocado, que respondi parecendo um cara que está a ponto de morrer na cadeira elétrica, do tipo que existem mais alternativas, que o destino está traçado, que nada mais se pode fazer para mudar o caminho.

É foda a vida. Sempre digo que ela é agridoce. Mas parece que o sabor amargo prepondera sobre o lado doce dela. Quando a pessoa começa a caminhar pelo deserto, sem esperanças, caindo, de repente ver um oásis, fica feliz, se levanta, corre, prossegue cheio de alegria, mas percebe que tudo não passou de uma miragem. Será que os dias maus sempre vão ser superiores aos dias bons?

No dia seguinte, pelo Twitter, conversando com um padre querido de São Paulo, começamos a falar sobre as dificuldades da vida. Em alguns momentos, eu dizia a ele, parece que tudo está perdido, é quando se perde a libido da existência. Ele me responde falando que não podemos desistir nunca. Sempre seguir avante apesar dos percalços. Na mesma hora, eu recordo de uma música bastante cantada nos velórios de pessoas católicas que ia quando era mais novo. “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura na mão de Deus e vai. Se as tristezas dessa vida quiseram te sufocar, segura na mão de Deus e vai.”

Vezenquando bate uma revolta. Diante de tanta coisa ruim que existe, eu digo que se existe um culpado é Deus. Dias atrás, na casa de um amigo, conversando com a mãe dele, ela desabafou um problema comigo. Na mesma hora ela coloca em choque a existência divina. Outra amiga presente repreende-a. Eu a defendo. E faço coro à voz dela. Digo que concordo com as palavras dela. Que diante do já passei a posso faço o mesmo questionamento. Mas na mesma hora voltamos atrás. Concordamos que as coisas malvadas presentes na existência é responsabilidade humana. Além disso, Deus não nos trata como marionetes, mexendo sempre nos nossos passos. Por isso, o discurso religioso que Deus faz isso ou aquilo, é falso muitas vezes.

Acredito na intervenção divina, mas em casos que isso é extremamente necessário para cumprir uma missão especial. Foi assim com Moisés, quando Deus agiu na mãe dele e depois na filha de faraó. Foi com Balaão, quando a jumenta livrou ela da morte por três vezes e depois abriu a boca pra falar. Foi assim com Jonas quando tentou fugir dos planos divinos. Com Paulo, no caminho para Damasco, quando aconteceu aquele evento extraordinário e ele ouviu voz de Cristo, ficando cego.

Deus pode fazer acontecer. Quando Ele assim desejar. Na maioria das vezes, ele deixa a responsabilidade das coisas a cargo das pessoas. E quando se é oprimido, explorado, maltratado pelas pessoas que mais deveriam ajudar e acolher os pequeninos, os mais necessitados, isso em todas as áreas da vida, a revolta é muito grande. Aí se passa questionar o motivo de Deus não agir, não intervir para sanar o mal.

Já se disse que Deus e a fé é pros fracos, pros ignorantes. Quem conhece a ciência, quem vive bem financeiramente, quem tem níveis de estudo elevados não precisa de religião. A filosofia e a ciência explicariam todas as questões que as religiões, ao longo da saga humana, explicaram baseadas em eventos divinos.

Eu sou fraco, sou ignorante. Por mais eu tente me distanciar da religiosidade, de Deus, da fé eu acabo me aproximando mais. A centelha do sagrado nunca se apaga definitivamente dentro de mim. Deus pode não fazer nada para mudar o curso da história, mas o conceito que existe uma Pessoa que está sempre a velar e cuidar da gente, me possibilita segurança, certeza e sentido na vida. Mesmo diante de problemas que enfrento, que parecem que nunca vão ter fim, dobrar os joelhos, fazer uma oração e suplicar a ajuda divina é uma experiência sem igual.

Como disse acima, quando eu conversava com esse padre amigo meu, e a música segura na mão de Deus me veio à memória, imediatamente eu pensei que Deus intervém dessa forma. Ele nos ajuda a caminhar, a seguir em frente, ainda que as coisas pareçam não ter mais solução. Mesmo que nada mais consiga dar conta das angústias, saber que Ele existe alivia o sofrimento, a dor, ajuda a estancar, momentaneamente, as lágrimas.

Ainda essa semana, a propósito das experiências ruins, eu comecei a ouvir “sabor de mel” de Damares. Chorei. Senti algo forte. Mais vez aquele empurrãozinho pra seguir a frente, pra segurar a mão de Deus e ir, ainda que águas tentem afogar, ainda que as tristezas tentem sufocar, a mão de Deus sustentará, como diz a outra canção.

A de Damares é mais significativa ainda. Começa dizendo que o agir de Deus é lindo na vida de quem é fiel, no começo tem provas amargas, mas no fim tem o sabor de mel... Ela continua com uma letra cheia de esperanças para quem sofre, quem chora, quem padece. Nessa semana passada, me ajudou muito a enfrentar meus temores mais fundos.

Como disse a semana foi cheia de sentimentos por vezes contraditórios. Muita coisa se misturou ao mesmo tempo. Mas o que mais ficou foi a minha fé renovada em Deus. Sei que o escrevo agora, amanhã, talvez, eu pense diferente. Contudo, escrevo o que sinto. E o que sinto no momento é a certeza de que, por mais que muita gente pense diferente, e por isso sofro na pele e na alma as conseqüências disso, sou o que sou por Deus me fez assim.

Tentei mudar de várias maneiras possíveis. Foi um calvário minha aceitação pessoal. E o calvário não terminou. Pelo contrário, parece que vai perdurar por muito tempo. Pode ser que termine em um ano, em dois, em dez, mas terminará. Como diz Damares, no fim o gosto amargo vai desaparecer. Se não desaparecer nessa vida, se a morte vier antes, pouco importa. Talvez seja até melhor, porque espero acordar em outra vida, mais justa, mais fraterna, mais solidária do que essa aqui.

Enquanto isso não acontece, vou lutando por aquilo que acredito. Como canta Almir Sater, “penso que cumprir a vida seja simplesmente compreender a marcha e ir tocando em frente. Como um velho boiadeiro levando a boiada eu vou tocando os dias pela longa estrada...” Quando o novo horizonte surgir terminará minha luta.

domingo, 7 de agosto de 2011

Aquele beijo



Aquele beijo. Ah, aquele beijo! Tantas vezes desejado. Tantas vezes reprimido. Por quê? Ora, medo, timidez, vergonha... Sei lá, mas de uma forma ou de outra nunca pensei em concretizar aquele anseio de adolescente.

Quando te vi, parei. Falei contigo me sentindo o cara. Quem estava comigo ficou olhando, me pediram depois para fazer uma apresentação. Mas não. Eu disse não. Não queria dividir a sua atenção com mais ninguém. Egoísta, eu? Todo ser humano é. Não fujo a essa característica tão singular do homo sapiens sapiens.

Você sai. Meus olhos, algum tempo depois, começam a pesquisar ao meu redor. Tanta gente. Tantos rostos diferentes. Alguns de uma beleza fora do comum. Não te vejo. Será que saiu com alguém? E se saiu será que volta pra festa? Fico triste.

Horas depois te revejo. Beijando uma boca. Ai que raiva! Que ciúme! Nesse momento voltei a ter dezessete anos. Naquele tempo você começou a namorar. E dentro de mim, lá no espaço reservado aos sentimentos, as larvas começavam a borbulhar. O vulcão da raiva quase entrou em erupção. Mas tapei. E o fogo ficou me consumindo.

Pedi mais uísque. Queria beber. Dançar, mesmo sem saber dançar. Cantar aquelas músicas chatas de forró de plástico sem letras profundas. Já sinto que meu corpo está mais leve, conseqüência das doses de álcool circulando no meu sangue.

Fumo um cigarro. Os tragos me deixam um pouco tonto. Viro os olhos. Cadê você? Sumiu de novo. Mas, para meu alívio, a figura humana que te tomava pelos braços está próxima. E isso diz que você não saiu para satisfazer algum desejo lascivo.

A bebida acaba. Saio com os amigos para comprar mais. Mas não pretendíamos voltar. Já eram umas três da manhã. Íamos beber na praça. Em frente da Igreja. Sacrilégio? Não. Talvez uma conduta vedada, mas nada que fosse macular a calçada da Matriz.

Quando estávamos saindo daquele ambiente você vinha. Diminuo o passo. Iria falar contigo. Dizer o que queria. Gaguejei, claro. Normal. Tentei enrolar. Contudo, falei. Pronto é isso. Desde o tempo que estudávamos nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Sempre tive vontade de te beijar. Quando éramos evangélicos, por algum tempo quando desejávamos ser missionários na África, pensei que iria casar contigo.

Fiquei tão nervoso. Mas é isso que quero. E me aproximo mais. E você também. Mais perto. Os rostos a poucos centímetros. Os narizes se tocam. Os lábios se unem.

O tempo parou. Nada ouvi mais naquele instante. Nada vi. Só senti você. Só queria te beijar. E que beijo! Um beijo de se apaixonar. Mas faz tempo que não consigo nutri esse afeto por nenhuma pessoa.

Ontem te vi. Desejei tanto repetir a façanha do São João, mas eu estava retraído. Sentei na outra mesa do bar, fiquei te observando, vezemquando meus olhos iam do local que eu estava para o que você se encontrava.

Na ida pra casa eu precisava falar contigo, queria ver você de perto, bem perto. Queria sentir teu rosto, bem juntinho ao meu. Virei o menino tímido de novo. Só consegui te beijar na face. Mesmo assim, foi bom. O contato de nossas peles me fez bem.  Outro dia, talvez, quem sabe não tenho coragem e peço, como um pirralho doido por doce pede a mãe, um beijo teu.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Das lágrimas



Há momentos  que é  impossível conter as lágrimas...
Muitas vezes segurei.
Para parecer forte.
Por vergonha.
Por medo.
Por achar que seria incompreendido.
Lágrimas pelas pessoas que morrem.
Uma morte não natural.
Uma morte não planejada.
Uma morte não como conseqüência das nossas escolhas.
Mas a morte que vem do outro.
Do outro que não aceita o outro.
Do outro que oprime o outro.
Do outro que descrimina o outro.
Lágrimas que brotam da alma.
Todas as vezes que as seguro, fico pior.
Fico pior porque lá dentro, no fundo, meu eu é sufocado, afogado.
Vou deixar as lágrimas correrem.
Vou deixá-las banhar meu corpo.
Vou permitir que elas cheguem ao chão.
Talvez ao chegar à terra um milagre aconteça.
Um milagre que faz brotar vida.
Talvez nasça uma planta.
Uma planta diferente.
Uma planta que brote frutos.
Frutos nem ácidos nem doces.
Mas frutos salgados.
Frutos que sejam do gosto de minhas lágrimas.
E que só durem enquanto eu puder regar a planta com elas.
E quando eu não puder mais regá-las, então outro milagre vai acontecer.
Ou o paraíso surgirá.
Ou a morte me levará.

sábado, 16 de julho de 2011

Assumir a paixão


 Personagens numa cena de "Do começo ao fim"

Ontem recebi uma ligação de um amigo que há tempos eu não conversava. O conheci quando eu trabalhava em Guarabira, em 2008. Era estudante do ensino fundamental. Cheio de dúvidas em relação à sua sexualidade, cheio de conflitos com a igreja evangélica que fazia – e ainda – faz parte. Bem parecido comigo quando passei por essa fase. Um único detalhe nos diferencia. De certa forma, eu era um “crente fiel”, ou seja, procurava viver da melhor forma os preceitos e dogmas – existem dogmas sim, por mais que os pastores digam o contrário – da instituição religiosa que eu era filiado. Ele não. Sempre transgredindo as normas. O invejo por isso. Eu deveria ter feito o mesmo naquela época.

De tempos em tempos ele me liga. Ou melhor, me dá um toque para que eu retorne. Hoje ele está na fase final do ensino médio. Saindo da adolescência. Muito experiente e menos confuso com a sua orientação sexual. Mas com a mentalidade própria de quem está com 17 anos.

Uma vez me disse que tinha saído com um cara, não havia usado camisinha, e estava com medo de ter contraído o vírus da AIDS.  Tentei tranqüilizá-lo dizendo que conhecia a pessoa que ele se envolveu, e que podia assegurar, dessa forma, que não tinha ocorrido nenhuma contaminação nesse sentido. Mesmo assim, ele só relaxou depois que fez o exame e deu negativo.

Outro dia me falou estar interessado numa pessoa “linda, maravilhosa e gostosa”. Mandou-me procurar no Orkut o dito cujo. Fui, obviamente, como todo bom curioso. Comprovei sua afirmação exagerada. Não é nenhuma pessoa do outro mundo, mas era bonita sim. Depois ficou com ela. Uma, duas, três vezes... Parece que agora está apaixonado.

Precisamente no final de “Insensato Coração”, ontem à noite, ele me liga. Eu disse que retornaria em dois minutos assim que a novela terminasse. Cumpri minha palavra. Conversa vai, conversa vem, ele me conta que está se sentindo estranho ultimamente. Procuro escavacar o motivo. Ele tenta negar. Mas percebo que sua inquietação está ligada a essa pessoa “linda, maravilhosa e gostosa” que ele andou se envolvendo. Paixão. Mas nega peremptoriamente. Não está e nem quer se apaixonar.

Lá fora a chuva caía. Bem forte. Dentro de casa eu ouvia Zélia Duncan. Algumas músicas dela são bem propícias para dias de frio. Além de serem ótimas para acompanhar uma conversa sobre sentimentos passionais. Diante dessa situação toda, eu o provoquei várias vezes para assumir sua paixão. Tanto provoquei que ele acabou reconhecendo seu estado afetivo.

Continuamos a conversa. Sua insatisfação com esse sentimento se deve ao medo. Segundo ele me disse, essa é a primeira vez que isso acontece.

Medo de amar. Medo de sofrer. Medo de não ser correspondido. Todo mundo já passou por esse medo. De que adianta gostar de alguém quando não se é correspondido? Por outro lado, até mesmo quando se é correspondido, pra que se envolver num relacionamento que depois pode trazer conseqüências danosas pra vida da gente?

Por causa dessas questões, meu amigo guarabirense tenta, de todos os modos, esconder o desejo que cresce a cada dia dentro dele. Eu o entendo. Já passei por isso. Mas, ao contrario dele, sempre deixei o sentimento se enraizar e crescer. Algumas vezes sofri por isso. Outras vezes tive gozos sublimes. Não vou negar que tentei, poucas vezes, sufocar esses afetos. Contudo, sempre fui adiante. Mesmo quebrando a cara depois.

Voltando as músicas de Zélia Duncan. Enquanto conversávamos pelo celular, uma me tocou bastante. “Jura Secreta” é muito linda. E na voz dela se torna divina. Mas a ficha só caiu, em relação a nossa conversa, depois que nos despedimos e liguei o computador. Prestei bastante atenção à letra. Cabe perfeitamente nesse diálogo que tive.

Hoje postei um trecho no meu perfil do Facebook. Só uma coisa me entristece / O beijo de amor que não roubei / A jura secreta que não fiz / A briga de amor que não causei.... Recebi alguns comentários. Em um, uma amiga virtual disse: ...então, brigue, jure, beije... e se for o caso, se arrependa do que fez. Acho que essa frase ajuda a dissipar o medo que se torna óbice a qualquer envolvimento passional com outra pessoa.
Vou ligar pra ele depois e tentar falar, aconselhar, orientar nessa direção. Se o sentimento está surgindo, deixe-o crescer. Vá em frente. Viva tudo intensamente. E o sofrimento depois? Se fôssemos pensar no sofrimento que iríamos enfrentar, nossos pais não deveriam, jamais, ter pensado em nos ter fabricado numa transa prazerosa.
Acho que vale a pena citar Paula Fernandes cantando “Pássaro de fogo”. Não diga que não / não negue a você / um novo amor / uma nova paixão. Vai por aí a coisa...

sábado, 25 de junho de 2011

Da solidão numa mesa de bar...


Parei diante daquela cena. Não muito na frente, claro, para não gerar desconfiança. Depois fui passando. Fui passando e observando. Fui passando, observando e refletindo. Fui passando, observando, refletindo e me perguntando os motivos.

Meio litro de uísque, um copo pela metade, uma carteira de cigarros e um homem sentado, sozinho, em dia de festa na cidade, naquele bar.

Cabelos grisalhos, alto, cinqüentão, em forma, bem sucedido financeiramente. Possui qualidades fundamentais para se viver numa sociedade marcada pelo culto do ter em detrimento do ser.

Conheço de longe. Em cidades interioranas, sobretudo quando se mora com pouco mais de 13 mil pessoas ao redor, todo mundo conhece todo mundo. Nunca fui com a cara dele. Sempre me pareceu arrogante. E é. Mas aquele quadro desenhado com tintas da realidade me fez escrever essas palavras.

Comentei em seguida com um amigo.  Ele me disse ter pouca coisa pior do que beber sozinho numa mesa de bar. E fiquei pensando ao rememorar a cena. Dinheiro é bom. Dizem por aí que a parte mais sensível da pessoa humana é o bolso. E é verdade. Dinheiro não é tudo, mas é 99%, outros dizem. Não traz felicidade, mas sem ele a felicidade tão pouco existe, outros proclamam.

O que fazia aquele homem sozinho em véspera de São João, com a cidade em festa, naquele bar tão bem freqüentado pelas pessoas de minha cidade? Talvez, estivesse esperando alguém. Mas duvido. Fui à casa de um amigo pegar um objeto meu que eu tinha emprestado, conversei um pouco, e na volta o homem solitário continuava lá.

E fiquei pensando: poxa, pra que serve dinheiro, sucesso na vida se a gente não compartilha com ninguém?

Aquele homem sozinho naquela mesa de bar me fez lembrar sobre o valor da amizade. O que é ter um amigo? O que é a amizade? A amizade partilha da alegria e da tristeza. Aquelas palavras ritualísticas que os sacerdotes falam nas cerimônias matrimonias são perfeitamente aplicáveis nas relações entre amigos.

Mas, como tão bem mostrou Gabriel Chalita, em sua Oração do Amigo, talvez, a amizade maior seja aquela em que o amigo seja capaz de estar ao lado do outro nos momentos de glória, e vibrar com essa glória. Não ter inveja. Não querer destruir o troféu conquistado. Aplaudir e se fazer presente. Ser presente.


Num mundo que se faz deserto, temos sede de encontrar um amigo, disse Antoine de Saint-Exupéry. Nunca o mundo esteve tão deserto. A população aumenta ao mesmo tempo em que o deserto dos afetos aumenta.

Todos os dias nos deparamos na rua, na faculdade, no trabalho com várias pessoas. Sempre fico olhando as ruas das metrópoles. Sempre cheias de pessoas. Um formigueiro humano. Mas ninguém conhece ninguém. Em cidades pequenas, como Alagoinha, todo mundo conhece todo mundo. Mas é um conhecimento marginal, por fora, de ver e ouvir dizer. As pessoas muitas vezes são colegas. Contudo, o coleguismo não é amizade. A amizade exige um conhecimento de dentro, do fundo, da alma e não apenas de fora, da margem e do corpo exterior.

Já escrevi textos sobre amizade aqui. Mas aquela paisagem destoante de tudo que acontecia ao redor, naquela quinta-feira, 23 de junho, me fez voltar ao tema. Meio litro de uísque, um copo pela metade, uma carteira de cigarros e um homem sentado, sozinho, em dia de festa na cidade, naquele bar. Um deserto no meio do oásis.

domingo, 19 de junho de 2011

Desejos...



O que posso dizer?
Mentir novamente?
Fingir?
Fugir?
Confesso, que a última possibilidade me assalta de vez em quando.
Nos instantes que me deito na rede,
com a janela aberta,
recebendo o vento em meu corpo,
meus pensamentos buscam várias alternativas para realizar minha fuga.
Mas não posso!
Não é possível!
Agora não!
Daqui a um mês.
Ou daqui a um ano.
Quem sabe daqui a dez anos.
Não, não, não!
Absolutamente não!
Se eu fugir, em qualquer lugar que eu vá, meus pensamentos estarão em você.
O desejo, ah o desejo!
Sempre o desejo a me prender.
Uma prisão irreal, cercada por grades de desejos...
Desejos que me causam ojeriza...
Desejos que me deixam com nojo de mim...
Desejos que me fazem animal...
Oh, Pai, afasta de mim esse cálice...
Se possível for...
Mas não é possível...
Eu fujo e volto pra ele.
Desejos, desejos, desejos...
Sinto-me mais homem, mais macho, mais humano quando os realizo.
Sou mais homem, mais macho, mais humano quando vivo isso tudo contigo...
Por onde ando, o que falo, o que vejo, o que sinto, o que cheiro, o que escuto...
Tudo, tudo, tudo me traz você.
Essa presença onipresente me impede de concretizar os meus desejos em outro corpo...
Só o teu me satisfaz.
Só o teu me realiza.
Só o teu me deixa completo.
Vou arrancar esse mal pela raiz...
Cortar de uma vez esse desejo indesejável...
Não quero mais!
Não posso mais!
Não vou mais atrás!
Mas será que longe de ti tenho vida?
Será que ao sepultar esse desejo não estarei me sepultando também?
São apenas desejos...
Desejos que ferem... que matam... e que dão vida...

sábado, 11 de junho de 2011

Neto outra vez

 


Fui à casa de minha avó. Lá me senti novamente neto. Sensações de uma infância perdida, ou melhor, realizada, voltaram durante aquela tarde. Aquele fim de tarde. Coisas extraordinárias sempre acontecem no fim da tarde.

Sou muito influenciado por Paulo Coelho. Em um trecho de O Alquimista, Santiago, em dúvida se ficava com as suas ovelhas ou ia buscar o seu tesouro, se decidia entre uma coisa que estava acostumado ou outra coisa que gostaria de ter, pensa também na filha de um comerciante que ele tinha conhecido um tempo atrás. Iria ver a moça em dois dias. Mas ele refletiu que se fosse lá, em dois dias, a moça não iria notar, porque para ela todos os dias são iguais. Assim, quando todos os dias ficam iguais, é porque as pessoas deixaram de perceber as coisas boas que aparecem em suas vidas sempre que o sol cruza o céu.

Os milagres da vida são cotidianos, às vezes tão banais que muita gente, ou a maioria das pessoas, nem percebem. O mundo contemporâneo é tão agitado, exige pressa em tudo, que leva ao afastamento das relações afetivas com pessoas próximas. Por isso, somos levados a buscar e somente acreditar em milagres extraordinários, aqueles sobrenaturais, que fogem a qualquer explicação científica.

Jesus uma vez disse, diante de uma multidão, que aquela geração era uma geração perversa; pedia um sinal, mas não se lhe daria outro sinal senão o sinal do profeta Jonas. Tudo já estava profetizado. Mas as pessoas necessitam de sinais, de milagres, de realizações sobre-humanas para que a fé permaneça. Tudo isso porque as pessoas igualam todos os dias e não percebem as diferenças e os acontecimentos sublimes do cotidiano.

Então, naquela tarde, alguns milagres aconteceram. O primeiro deles, claro, foi eu ter ido. Não que nunca vá a casa dela, mas, devido às coisas da faculdade, concursos públicos para estudar e outras besteiras, sempre termino adiando minha visita. Mas sempre que chego lá, não sou o mesmo. A porta da casa torna uma entrada para uma realidade que rompe com o meu mundo.  Dessa vez até o celular desliguei. Sinto-me criança, me sinto aquele pirralho que esperava chegar às férias, a época junina, os feriados para ir ao sítio, tomar banho de barragem, correr pelas ladeiras, subir nos pés de fruta. É impossível eu ir lá e as reminiscências não voltarem.

Eu tenho alguns gostos culinários estranhos. Por exemplo, não como peixe fresco. Só como peixe seco, e só três tipos de peixe assim. Minha avó sabe disso. Quando chego lá ela sempre me avisa se tem ou não o peixe que gosto. Dessa vez tinha. Ela assou uns. Comi. E com farinha. E café quente também. Parece coisa daqueles retirantes, muitas décadas atrás, quando saíam fugindo da seca no sertão, imagens tão bem retratadas em vários livros da literatura regionalista. A propósito, em vários trechos de romances de Zé Lins do Rego e Rachel de Queiroz, as narrativas eram bem parecidas com as minhas aventuras e experiências quando criança.

Foi um encontro do passado com o presente. O passado não está morto. Está tão vivo quanto o agora. Obviamente, ninguém que reviver experiências traumáticas, mesmo assim, vez ou outra, sem querer querendo, como diria Chaves, vivenciamos. Mas quando as lembranças são positivas ninguém quer esquecer. Pelo contrário, se pudéssemos gravaríamos em algum dispositivo de armazenamento, para assistir sempre que a saudade batesse.

Saí de lá feliz. Feliz por ter feito minha avó feliz com a minha visita. Feliz por ela me feito feliz. Feliz porque aquela tarde não foi igual às outras. Aliás, todas as tardes, todos os dias são diferentes dos outros. Mas, estamos tão acostumados com a rotina, estamos sempre tão ocupados que nem percebemos as diferenças sutis entre os dias. E pior ainda: nem enxergamos os milagres que estão ao alcance de todos que se deixam envolver com a magia da simplicidade.

Enfim, voltando a Paulo Coelho, narrando o que uma velha que interpretava sonhos disse a Santiago: as coisas simples são extraordinárias, e só os sábios conseguem vê-las!

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