O
carnaval de 2019 contou com uma forte campanha contra o assédio sexual. A
campanha “Não é Não” veio para conscientizar as/os foliões sobre a necessidade
de um comportamento lúdico que respeitasse os limites da individualidade da
outra pessoa, sobretudo das mulheres, em consonância com a Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018 que tornou crime a
importunação sexual. Ademais, a maior festa popular brasileira coincidiu na
mesma semana do Dia Internacional da Mulher.
Em vários
blocos carnavalescos de João Pessoa foi possível ver homens e mulheres com
adesivos do “Não é Não”. A campanha, assim como a lei que criminaliza a
importunação sexual, chegou a ser bastante criticada por muitos homens,
inclusive do jornalismo paraibano. Durante um dos programas radiofônicos do
meio-dia, um dos apresentadores disse, na semana anterior à festa, que a folia
ia ficar sem graça. “Como vou curtir o carnaval sem poder beijar uma mulher?
Tenho que pedir um beijo por obséquio? ”. No raciocínio do radialista, a mulher
deveria, portanto, um objeto de sua vontade.
O machismo e
o sexismo estão enraizados na cultura patriarcal brasileira, que coloca o
pai/homem como centro de poder e chefe dos desejos femininos. Desde o período
colonial, a mulher era vista tão somente como objeto de desejo dos homens,
sujeitos sem direitos e com muitos deveres, sobretudo os sexuais e os
domésticos. Chegamos quase no final da segunda década do século XXI e vemos não
apenas falas públicas de profissionais de imprensa, mas também mortes,
agressões de todos os tipos, e uma imensa desigualdade econômica e política em
razão do gênero.
O atual
presidente da república foi eleito com um discurso machista declarado. Todos
lembram da frase proferida a uma deputada federal sobre não a estuprar porque
ela não merecia; existem, no pensamento do chefe da nação, mulheres que merecem
ser estupradas. No seu governo formado por 22 ministérios, tem-se apenas duas
mulheres. No dia 08 de março ele declarou, em solenidade oficial alusiva ao Dia
Internacional da Mulher, que as duas mulheres valeriam pelos vinte homens.
A ministra
da mulher, família e direitos humanos disse que o governo ia ensinar os meninos
a darem flores para as meninas e a abrir a porta dos carros, numa direção
totalmente contrária do que as mulheres buscavam discutir no dia. No Twitter, a hashtag
#TrocoFloresPor era um dos assuntos mais comentados. Flores
representam a consolidação do discurso machista que coloca a mulher como sexo
frágil.
As críticas
do “Não é Não”, as falas do presidente da república e da ministra da mulher,
família e direitos humanos deixa claro a necessidade premente de educar meninos
e meninas, adolescentes e jovens, homens e mulheres adultas sobre a igualdade
de gênero, em outras palavras, uma educação feminista.
Tive
recentemente a oportunidade de ler o opúsculo “Sejamos Todos Feministas” da
escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, uma versão adaptada de uma
palestra sua em 2012. De forma simples e didática, ela relata casos de sua vida
que a levaram a torna-se feminista e como o machismo e a misoginia estão
impregnados na cultura nigeriana. Muita gente justifica a desigualdade entre
homens e mulheres com base na cultura. Segundo a escritora: “A cultura não faz
as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres
não fazem parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura.”
Mudança cultural
de mentalidades e práticas é feita, sobretudo, por meio da educação. E educação
formal porque em muitas famílias (na maioria) os fundamentos machistas são
dogmas. A escola precisa adotar em seus currículos conteúdos que ensinem desde
cedo que a igualdade é um valor importante para as crianças. Ensinar sobre
gênero, ao contrário do que pensam os integrantes do atual do governo federal,
sobretudo o chefe, não é ensinar a fazer sexo, mas a pensar que um mundo igual
entre meninos e meninas é mais que possível, é necessário. Ensinar que
brinquedos são iguais e não devem ser separados por gênero, que trabalho
doméstico é dever de todos que moram no lar.
Feminismo
não interessa apenas as mulheres. É bom lembrar que o sexismo e o machismo
afeta diretamente todos os homens que não adotam o padrão de masculinidade
dominante. A homofobia está aí para comprovar que não apenas homens gays são
agredidos ou mortos; existem vários casos de heterossexuais que sofreram por,
em um dado instante, apresentar comportamento que “não era de homem.”
Finalizo com
um trecho lindo do livro de Chimamanda que é um convite a todos e todas nós: “A
questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que
comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo
de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos.
E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira
diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente.”
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