O dia que fiz 33 anos, hoje, 28 de março de
2020, foi o dia mais cinza de minha vida. Não que eu esteja depressivo, tenha
descoberto algum problema ou doença grave. O mundo inteiro está assim. O covid-19
alterou completamente a rotina das economias, culturas, afetos de bilhões de
pessoas ao redor do planeta.
Desde que a crise epidemiológica começou, “O
dia que a terra parou” de Raul Seixas viralizou. Recebi vídeos de colegas,
alunos, vi trechos da canção em postagens nas redes sociais. Enfim, a terra não
parou completamente, mas quase chegou lá, ou está quase chegando. Li em algum
lugar que essa situação toda é uma resposta do planeta. Nosso orbe precisa
respirar um pouco, descansar das tantas explorações que nós, humanos, fazemos a
ela.
Acordei cedo. Tenho aulas de inglês aos sábados
pela manhã. Como quase todas as vezes e como quase todo mundo, peguei o celular
para ver a hora e as coisas que estavam rolando na internet. Vi a notificação
de um poema do Sérgio Voz, meu poeta querido, no Twitter. Fui ver o texto todo.
“Viver
dói,
mas
acho um privilégio
estar
vivo.
Que palavras lindas. No dia cinza, aliás,
nestes dias cinzas que vivo não posso perder, em hipótese alguma, a gratidão. Apesar
de tudo, estou vivo. Nos 33 anos de que estou na terra, passei por vários
momentos pessoais ruins, nenhum, contudo, coletivo quanto este. Mas eu
agradeço.
Tirei print do poema. Coloquei no status do WhatsApp
e nos stories do Instagram e Facebook. Após isso, me ajoelhei e fiz uma breve
oração. Nas poucas palavras dirigidas a Deus, louvei pelo dia e pela vida
renovada, pela família que tenho, pelos amigos, por tudo que já conquistei.
Fui tomar banho ouvindo a canção “Gratidão” de
Marie Gabriella.
Fui parabenizar meu ex-namorado, Sílvio, pelo
seu aniversário. Pois é, namorei alguém que faz natalício no mesmo dia que eu. Ele
agradeceu e disse que em breve, ou seja, mais tarde iria me parabenizar.
Vi uma reposta ao poema de Sérgio Vaz de meu
tio me desejando parabéns. Acho que foi o único que entendeu o motivo de eu ter
colocado aquele texto. Frei Ricardo, um amigo que gosto muito, também me
parabenizou. O aniversário dele foi ontem. Nem eu esqueço do dele, nem ele do
meu.
Minha aula de inglês começou às 8h e foi até às
10h30m. Quando a aula acabou, diga-se de passagem, está sendo online, fui ver as
conversas do WhatsApp.
Uma palavra, em um dos grupos de conversa no
WhastApp, me chamou atenção. Uma resposta a uma atitude da secretaria de
educação de João Pessoa, um colega chamou de necropolítica. Eu já tinha lido a
respeito. Sabia, por cima, o que era. Mas desejei pesquisar naquele exato
momento. Fui ao Google e ao YoTube. Vi textos e vídeos. Fiquei cheio de ideias
para estudar mais a respeito do termo cunhado por Achille MBembe.
Fui fazer feijão. Enquanto deixava o feijão de
molho, após ter cortado a charque, a linguiça, a cebola, o alho (outras coisas eu
tinha em casa, como coentro) e ter separado os temperos, fiquei um tempão
decidindo se ia no depósito, próximo daqui, comprar cervejas ou não. Cheguei a vestir
uma bermuda para ir comprar, mas desisti. Quando cheguei na cozinha, voltei. Fui
comprar.
Enquanto o feijão estava no fogo, fui vendo
vídeos sobre necropolítica no Yotube e bebendo cerveja. Eu já cheio de fome. Na
segunda cerveja, fiquei bêbado. Mas não parei.
Passei rapidamente pelos grupos e outras conversas
no app. Disse a minha irmã que não ia conseguir viajar para
Alagoinha porque nenhum motorista alternativo estava trabalhando hoje. Ela me
parabenizou e falou que entendia, que outro dia iríamos comemorar meu
aniversário.
Bebi mais quatro cervejas. Quando o feijão
ficou pronto fui comer assistindo a série “Freud” na Netflix. Assim que
terminei a série e o feijão, fui ver a Globo, mas percebi que não entender
muita coisa do que estava passando no jornal. Fui pra cama. Demorei a me concentrar
para dormir, coisa que sempre acontece quando estou alcoolizado.
Acordei por volta das 16h20min com a ligação de
mãe. Ela sempre me parabeniza por volta desse horário. Nos últimos anos deu uma
revezada, entretanto neste ano foi fiel.
Uma vez eu falei pra Sílvio o porquê que mãe
fazia isso: era mais ou menos a hora que tinha nascido. Entendeu agora o motivo
dele ter dito que ia me felicitar depois? Então, tentei voltar a dormir, mas
não consegui. Fui ver o WhatApp. Lá estava os parabéns dele, como prometido.
Acordei com uma dor de cabeça grande. Acredito que
fiquei bêbado porque tomei as cervejas com fome. Procurei um remédio pra ver se
melhorava. Encontrei um sorrisal. Não fez efeito de imediato. Mas aos poucos a cefaleia
foi passando.
Pouco depois minhas sobrinhas ligam. Júlia e
Lavínia começaram a me parabenizar e falaram que ia comer o bolo que tinham
feito pra mim. Disseram que eu fosse ver no Whatsapp (passei a maior parte do
dia com ele desligado). Quando entrei no app, vi uma foto com um bolo contendo
os 33 anos. Depois vi um vídeo com minhas sobrinhas, minha mãe e Gal, minha irmã,
cantando os parabéns, e segurando um poster meu de 2009 da minha formatura de História.
Joelma, minha outra irmã, estava com o celular gravando. Me emocionei, claro.
Recebi os parabéns, via WhatsApp, de Novinho
(que lembrou da data), de outros colegas (que o fizeram porque Novinho colocou
no grupo), de Raniery (que lembrou da data), de Lu, Emesson e Fabiano (o
fizeram porque Rany colocou no grupo).
Azemar, o primeiro rapaz que eu gostei de
verdade e tive um romance curto, perguntou se hoje era meu aniversário, porque
ele sabe que não for hoje é por essas datas. Eu disse que sim, e ele me deu os
parabéns dizendo que eu tinha um lugar guardado no coração dele. Eu disse que
era recíproco.
Liguei a TV. Procurei na Netflix algum filme
para assistir. Encontrei um sobre São Pedro, mas só a vi a metade. Fui pra
cama, fiquei vendo bobagens no celular e depois fui tomar banho. Agora, aqui
estou eu. Às 21h38min, escrevendo este texto. Eu tinha prometido que faria um
diário, mas só hoje consegui escrever esse segundo texto.
Eu disse que este foi/está sendo o dia mais
cinza de meus 33 anos devido a pandemia do coronavírus. Mas pensando bem, analisando de uma forma bem particular,
o dia foi ótimo. Recebi carinho, ainda que virtualmente, de pessoas que eu amo
e considero deveras.
Outros amigos e amigas não o fizeram porque não
sabem o dia do meu aniversário, afinal de contas eu só sei as datas dos seus
porque o Facebook lembra, mas eu tirei a possibilidade da rede social mostrar a
data do meu. Nos tempos atuais, quase ninguém lembra dia de nascimento de
ninguém. Não julgo, porque me incluo nisso. Uma parte de meus amigos eu lembro
o mês e o dia aproximado, dentro da margem de erro.
Esqueci de comentar que os sites Juspodivm, Saraiva,
L&PM Editores, Paulus, Submarino e Ricardo me parabenizaram por e-mail, presenteando,
alguns desses, com 10% de desconto nas compras. A Bia do Bradesco no app do
banco. A Magalu mandou mensagem por WhatsApp. Ser consumidor é sempre ser lembrado
no seu aniversário.
Mas como ia dizendo, ou melhor, escrevendo, o
dia não foi de todo ruim. Viver é um privilégio, como colocou o Sérgio Vaz. Estou
sozinho no meu apartamento alugado em João Pessoa, bebendo cerveja, comendo
feijão de novo (tive preguiça de cozinhar cuscuz e assar mortadela, que seria a
outra opção, e não quis comprar nada pelo Ifood) e no meu notebook registrando
tudo isso. Tenho trabalho fixo, concursado, o que é um privilégio e tanto,
sobretudo nesses tempos de ultraliberalismo no Brasil.
Portanto, obrigado a Deus, ao universo, ao meu
pai desencarnado, a minha mãe, minhas irmãs, sobrinhas, toda a minha família paterna
e materna, amigos, colegas, desafetos, professores que fizeram parte de minha
formação escolar e acadêmica, enfim. Espero mais outros 33 anos pela frente.