terça-feira, 16 de maio de 2023

Sobre o Dia das Mães

 

Eu devia ter uns oito ou nove anos. Estava brincando com os amigos, quando, numa casa de taipa, paredes sem reboco, porta e janelas simples, vi um uns homens levando um caixão azul para aquele recinto, bem perto de onde brincávamos. A curiosidade infantil, apesar do medo da morte que tínhamos, nos levou até lá para ver quem tinha morrido.

 

Entramos, vimos uns meninos chorando, que conhecíamos de vista, e no esquife estava uma mulher, a mãe deles, deitada para não mais se levantar. Olhei bem o corpo. Magro. Pálido. Dizer que a face era cadavérica pode parecer redundância, mas, naquela época, era algo muito feio de ver. Disseram que ela morreu de fome. Assim como o marido tinha ido embora também. Por isso a feiura.

 

Fiquei pensando no futuro daqueles meninos. Eu os conhecia de vista apenas, como disse. Eles nunca estavam em casa. Talvez vivessem pelo mundo, com a mãe e o pai, agora falecidos, em busca de alimentos para garantir o mínimo da sobrevivência.

 

Pouco dias depois, os meninos sumiram. Provavelmente, indo morar na casa de algum parente ou de conhecidos. Nunca mais soube notícias. Nunca mais os vi. Teriam ido para o além também? Não sei. Décadas depois, a memória só é fidedigna naquele corpo feminino, de mãe, exposto no caixão simpls coberto pelo plástico azul, doado pela prefeitura.

 

Perder o pai é doloroso, mas perder a mãe é pior ainda, todo mundo diz. Minha mãe é viva. Pai morreu nos dias dos namorados em 2016. Apesar das discussões sobre os papéis de gênero socialmente construídos, meu mundo social e cultural supervaloriza a mãe. Não posso fugir disso. Sofri quando meu pai se foi, mas não saberia como ficaria caso tivesse sido minha mãe.

 

Tenho conhecidos e conhecidas, amigos e amigas, que passam o dia reservado aos país, em agosto, até razoavelmente, mas o segundo domingo de maio é sempre triste para quem não tem, nesse mundo, suas mães. Vi vários/várias chorando em conversas comigo bebendo, em celebrações de escolas ou missas.

 

A Igreja Católica, inclusive, dedica todo o mês de maio a Maria, mãe de Jesus, mãe da humanidade. São terços, novenas, celebrações dedicadas à Virgem. Tudo lindo. Tudo emocionante. Engraçado, uma instituição dominada pelos homens ter essa reverência toda por uma mulher. Quase uma deusa, perdão a heresia. Mas Nossa Senhora é quase isso (ou não seria mesmo uma divindade?).

 

Por isso, esse dia é triste para quem perdeu a mãe. Fico pensando naqueles meninos da minha infância. Já não tinham o pai. Devia ser bem dolorida a infância deles, com comida parca (quando havia), dormindo em lençóis sujos no chão, mas, certamente, tinham, no fim do dia, naquele vale de lágrimas, um carinho, um afeto, um beijo daquela que eles não teriam mais. Isso é tão forte que nunca esqueci. Já falei até na terapia (quando eu fazia) sobre aquela experiência.

 

“Por que Deus permite que as mães vão-se embora?”, questionava o poeta Carlos Drummond de Andrade. Espero não fazer essa pergunta tão cedo em relação a Carminha, minha mãe, mas nunca deixo de pensar em relação aos meus amigos, colegas, e àqueles meninos lá dos anos noventa que viram sua mãe sucumbir devido a fome e nunca mais teriam aquele último refrigério na miséria cotidiana.

 


Publicado também em: Brasil de Fato PB

 

sábado, 28 de março de 2020

33 anos


O dia que fiz 33 anos, hoje, 28 de março de 2020, foi o dia mais cinza de minha vida. Não que eu esteja depressivo, tenha descoberto algum problema ou doença grave. O mundo inteiro está assim. O covid-19 alterou completamente a rotina das economias, culturas, afetos de bilhões de pessoas ao redor do planeta.

Desde que a crise epidemiológica começou, “O dia que a terra parou” de Raul Seixas viralizou. Recebi vídeos de colegas, alunos, vi trechos da canção em postagens nas redes sociais. Enfim, a terra não parou completamente, mas quase chegou lá, ou está quase chegando. Li em algum lugar que essa situação toda é uma resposta do planeta. Nosso orbe precisa respirar um pouco, descansar das tantas explorações que nós, humanos, fazemos a ela.

Acordei cedo. Tenho aulas de inglês aos sábados pela manhã. Como quase todas as vezes e como quase todo mundo, peguei o celular para ver a hora e as coisas que estavam rolando na internet. Vi a notificação de um poema do Sérgio Voz, meu poeta querido, no Twitter. Fui ver o texto todo.

“Viver dói,
mas acho um privilégio
estar vivo.
Por isso sou grato[1].”

Que palavras lindas. No dia cinza, aliás, nestes dias cinzas que vivo não posso perder, em hipótese alguma, a gratidão. Apesar de tudo, estou vivo. Nos 33 anos de que estou na terra, passei por vários momentos pessoais ruins, nenhum, contudo, coletivo quanto este. Mas eu agradeço.

Tirei print do poema. Coloquei no status do WhatsApp e nos stories do Instagram e Facebook. Após isso, me ajoelhei e fiz uma breve oração. Nas poucas palavras dirigidas a Deus, louvei pelo dia e pela vida renovada, pela família que tenho, pelos amigos, por tudo que já conquistei.

Fui tomar banho ouvindo a canção “Gratidão” de Marie Gabriella.

Fui parabenizar meu ex-namorado, Sílvio, pelo seu aniversário. Pois é, namorei alguém que faz natalício no mesmo dia que eu. Ele agradeceu e disse que em breve, ou seja, mais tarde iria me parabenizar.

Vi uma reposta ao poema de Sérgio Vaz de meu tio me desejando parabéns. Acho que foi o único que entendeu o motivo de eu ter colocado aquele texto. Frei Ricardo, um amigo que gosto muito, também me parabenizou. O aniversário dele foi ontem. Nem eu esqueço do dele, nem ele do meu.

Minha aula de inglês começou às 8h e foi até às 10h30m. Quando a aula acabou, diga-se de passagem, está sendo online, fui ver as conversas do WhatsApp.
Uma palavra, em um dos grupos de conversa no WhastApp, me chamou atenção. Uma resposta a uma atitude da secretaria de educação de João Pessoa, um colega chamou de necropolítica. Eu já tinha lido a respeito. Sabia, por cima, o que era. Mas desejei pesquisar naquele exato momento. Fui ao Google e ao YoTube. Vi textos e vídeos. Fiquei cheio de ideias para estudar mais a respeito do termo cunhado por Achille MBembe.

Fui fazer feijão. Enquanto deixava o feijão de molho, após ter cortado a charque, a linguiça, a cebola, o alho (outras coisas eu tinha em casa, como coentro) e ter separado os temperos, fiquei um tempão decidindo se ia no depósito, próximo daqui, comprar cervejas ou não. Cheguei a vestir uma bermuda para ir comprar, mas desisti. Quando cheguei na cozinha, voltei. Fui comprar.

Enquanto o feijão estava no fogo, fui vendo vídeos sobre necropolítica no Yotube e bebendo cerveja. Eu já cheio de fome. Na segunda cerveja, fiquei bêbado. Mas não parei.

Passei rapidamente pelos grupos e outras conversas no app. Disse a minha irmã que não ia conseguir viajar para Alagoinha porque nenhum motorista alternativo estava trabalhando hoje. Ela me parabenizou e falou que entendia, que outro dia iríamos comemorar meu aniversário.

Bebi mais quatro cervejas. Quando o feijão ficou pronto fui comer assistindo a série “Freud” na Netflix. Assim que terminei a série e o feijão, fui ver a Globo, mas percebi que não entender muita coisa do que estava passando no jornal. Fui pra cama. Demorei a me concentrar para dormir, coisa que sempre acontece quando estou alcoolizado.

Acordei por volta das 16h20min com a ligação de mãe. Ela sempre me parabeniza por volta desse horário. Nos últimos anos deu uma revezada, entretanto neste ano foi fiel.

Uma vez eu falei pra Sílvio o porquê que mãe fazia isso: era mais ou menos a hora que tinha nascido. Entendeu agora o motivo dele ter dito que ia me felicitar depois? Então, tentei voltar a dormir, mas não consegui. Fui ver o WhatApp. Lá estava os parabéns dele, como prometido.

Acordei com uma dor de cabeça grande. Acredito que fiquei bêbado porque tomei as cervejas com fome. Procurei um remédio pra ver se melhorava. Encontrei um sorrisal. Não fez efeito de imediato. Mas aos poucos a cefaleia foi passando.

Pouco depois minhas sobrinhas ligam. Júlia e Lavínia começaram a me parabenizar e falaram que ia comer o bolo que tinham feito pra mim. Disseram que eu fosse ver no Whatsapp (passei a maior parte do dia com ele desligado). Quando entrei no app, vi uma foto com um bolo contendo os 33 anos. Depois vi um vídeo com minhas sobrinhas, minha mãe e Gal, minha irmã, cantando os parabéns, e segurando um poster meu de 2009 da minha formatura de História. Joelma, minha outra irmã, estava com o celular gravando. Me emocionei, claro.

Recebi os parabéns, via WhatsApp, de Novinho (que lembrou da data), de outros colegas (que o fizeram porque Novinho colocou no grupo), de Raniery (que lembrou da data), de Lu, Emesson e Fabiano (o fizeram porque Rany colocou no grupo).

Azemar, o primeiro rapaz que eu gostei de verdade e tive um romance curto, perguntou se hoje era meu aniversário, porque ele sabe que não for hoje é por essas datas. Eu disse que sim, e ele me deu os parabéns dizendo que eu tinha um lugar guardado no coração dele. Eu disse que era recíproco.

Liguei a TV. Procurei na Netflix algum filme para assistir. Encontrei um sobre São Pedro, mas só a vi a metade. Fui pra cama, fiquei vendo bobagens no celular e depois fui tomar banho. Agora, aqui estou eu. Às 21h38min, escrevendo este texto. Eu tinha prometido que faria um diário, mas só hoje consegui escrever esse segundo texto.

Eu disse que este foi/está sendo o dia mais cinza de meus 33 anos devido a pandemia do coronavírus.  Mas pensando bem, analisando de uma forma bem particular, o dia foi ótimo. Recebi carinho, ainda que virtualmente, de pessoas que eu amo e considero deveras.

Outros amigos e amigas não o fizeram porque não sabem o dia do meu aniversário, afinal de contas eu só sei as datas dos seus porque o Facebook lembra, mas eu tirei a possibilidade da rede social mostrar a data do meu. Nos tempos atuais, quase ninguém lembra dia de nascimento de ninguém. Não julgo, porque me incluo nisso. Uma parte de meus amigos eu lembro o mês e o dia aproximado, dentro da margem de erro.

Esqueci de comentar que os sites Juspodivm, Saraiva, L&PM Editores, Paulus, Submarino e Ricardo me parabenizaram por e-mail, presenteando, alguns desses, com 10% de desconto nas compras. A Bia do Bradesco no app do banco. A Magalu mandou mensagem por WhatsApp. Ser consumidor é sempre ser lembrado no seu aniversário.

Mas como ia dizendo, ou melhor, escrevendo, o dia não foi de todo ruim. Viver é um privilégio, como colocou o Sérgio Vaz. Estou sozinho no meu apartamento alugado em João Pessoa, bebendo cerveja, comendo feijão de novo (tive preguiça de cozinhar cuscuz e assar mortadela, que seria a outra opção, e não quis comprar nada pelo Ifood) e no meu notebook registrando tudo isso. Tenho trabalho fixo, concursado, o que é um privilégio e tanto, sobretudo nesses tempos de ultraliberalismo no Brasil.

Portanto, obrigado a Deus, ao universo, ao meu pai desencarnado, a minha mãe, minhas irmãs, sobrinhas, toda a minha família paterna e materna, amigos, colegas, desafetos, professores que fizeram parte de minha formação escolar e acadêmica, enfim. Espero mais outros 33 anos pela frente.





sexta-feira, 19 de abril de 2019

“Não é Não” e o Feminismo Nosso que Falta no Dia a Dia


            O carnaval de 2019 contou com uma forte campanha contra o assédio sexual. A campanha “Não é Não” veio para conscientizar as/os foliões sobre a necessidade de um comportamento lúdico que respeitasse os limites da individualidade da outra pessoa, sobretudo das mulheres, em consonância com a Lei 13.718 de 24 de setembro de 2018 que tornou crime a importunação sexual. Ademais, a maior festa popular brasileira coincidiu na mesma semana do Dia Internacional da Mulher.

            Em vários blocos carnavalescos de João Pessoa foi possível ver homens e mulheres com adesivos do “Não é Não”. A campanha, assim como a lei que criminaliza a importunação sexual, chegou a ser bastante criticada por muitos homens, inclusive do jornalismo paraibano. Durante um dos programas radiofônicos do meio-dia, um dos apresentadores disse, na semana anterior à festa, que a folia ia ficar sem graça. “Como vou curtir o carnaval sem poder beijar uma mulher? Tenho que pedir um beijo por obséquio? ”. No raciocínio do radialista, a mulher deveria, portanto, um objeto de sua vontade.

            O machismo e o sexismo estão enraizados na cultura patriarcal brasileira, que coloca o pai/homem como centro de poder e chefe dos desejos femininos. Desde o período colonial, a mulher era vista tão somente como objeto de desejo dos homens, sujeitos sem direitos e com muitos deveres, sobretudo os sexuais e os domésticos. Chegamos quase no final da segunda década do século XXI e vemos não apenas falas públicas de profissionais de imprensa, mas também mortes, agressões de todos os tipos, e uma imensa desigualdade econômica e política em razão do gênero.

            O atual presidente da república foi eleito com um discurso machista declarado. Todos lembram da frase proferida a uma deputada federal sobre não a estuprar porque ela não merecia; existem, no pensamento do chefe da nação, mulheres que merecem ser estupradas. No seu governo formado por 22 ministérios, tem-se apenas duas mulheres. No dia 08 de março ele declarou, em solenidade oficial alusiva ao Dia Internacional da Mulher, que as duas mulheres valeriam pelos vinte homens.

            A ministra da mulher, família e direitos humanos disse que o governo ia ensinar os meninos a darem flores para as meninas e a abrir a porta dos carros, numa direção totalmente contrária do que as mulheres buscavam discutir no dia. No Twitter, a hashtag #TrocoFloresPor era um dos assuntos mais comentados. Flores representam a consolidação do discurso machista que coloca a mulher como sexo frágil.

            As críticas do “Não é Não”, as falas do presidente da república e da ministra da mulher, família e direitos humanos deixa claro a necessidade premente de educar meninos e meninas, adolescentes e jovens, homens e mulheres adultas sobre a igualdade de gênero, em outras palavras, uma educação feminista.

            Tive recentemente a oportunidade de ler o opúsculo “Sejamos Todos Feministas” da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, uma versão adaptada de uma palestra sua em 2012. De forma simples e didática, ela relata casos de sua vida que a levaram a torna-se feminista e como o machismo e a misoginia estão impregnados na cultura nigeriana. Muita gente justifica a desigualdade entre homens e mulheres com base na cultura. Segundo a escritora: “A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não fazem parte da nossa cultura, então temos que mudar nossa cultura.”

            Mudança cultural de mentalidades e práticas é feita, sobretudo, por meio da educação. E educação formal porque em muitas famílias (na maioria) os fundamentos machistas são dogmas. A escola precisa adotar em seus currículos conteúdos que ensinem desde cedo que a igualdade é um valor importante para as crianças. Ensinar sobre gênero, ao contrário do que pensam os integrantes do atual do governo federal, sobretudo o chefe, não é ensinar a fazer sexo, mas a pensar que um mundo igual entre meninos e meninas é mais que possível, é necessário. Ensinar que brinquedos são iguais e não devem ser separados por gênero, que trabalho doméstico é dever de todos que moram no lar.

            Feminismo não interessa apenas as mulheres. É bom lembrar que o sexismo e o machismo afeta diretamente todos os homens que não adotam o padrão de masculinidade dominante. A homofobia está aí para comprovar que não apenas homens gays são agredidos ou mortos; existem vários casos de heterossexuais que sofreram por, em um dado instante, apresentar comportamento que “não era de homem.”

            Finalizo com um trecho lindo do livro de Chimamanda que é um convite a todos e todas nós: “A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente.”

domingo, 24 de março de 2019

A Volta do Boêmio no Busão




Eu tinha saída da casa do crush em Manaíra. Fui pra Epitácio pegar um busão para a rodoviária. Precisava ir para Alagoinha. Peguei um livro e comecei a ler enquanto esperava o coletivo e continuei a leitura mesmo após ter entrado no transporte.

Quando o ônibus chega na parada da lagoa, como sempre, muita gente desce e muita gente sobe indo em direção ao terminal de integração do Varadouro. Mas dessa vez entrou um senhor, certamente com mais de 70 anos, deu boa tarde aos demais passageiros, sentou e começou a cantar.

De repente paro a leitura assim que sua voz grave começa a entoar “A volta do Boêmio” de Nelson Gonçalves. Guardo o livro e fico, mentalmente, cantando “Boêmia / Aqui me tens de regresso / E suplicante te peço / A minha nova inscrição”. Que beleza! Quando ele ia iniciar o trecho seguinte, um outro senhor, sentado um pouco atrás de mim, canta “Voltei pra rever os amigos que um dia / Eu deixei a chorar de alegria / Me acompanha o meu violão”.

Parecia algo combinado. Os dois vão cantando enquanto o ônibus segue seu destino, passando por baixo do viaduto e entrando no Varadouro. E canto também, como falei acima, mentalmente; não queria atrapalhar aquele dueto belíssimo que rompia com o ordinário das viagens cotidianas no transporte coletivo de João Pessoa.

Quando chegamos no terminal de integração, enquanto todos começam a descer do ônibus, eu vou me demorando propositadamente para falar com o senhor que iniciou a canção do velho Nelson. Parece que ele adivinhou meu intento e me diz: “Ontem eu tava cantando no ônibus e uma mulher evangélica disse que eu estava endemoniado”. Minha resposta: “o demônio estava nela por não reconhecer a beleza poética e o dom divino em canções como ‘a volta do boêmio’”. Ele ri e sigo meu destino.

Compro minha passagem pra minha terra natal e viajo feliz.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Direitos Humanos são Direitos de Todos

            O ano de 2018 assinala os setenta anos da Declaração Universal dos Direitos (DUDH), uma reposta humanizada que Assembleia Geral das Nações Unidas deu à barbárie (ou barbáries) que o mundo conheceu na primeira metade do século XX. Infelizmente, concomitantemente a esse momento que deveria ser de comemorações e reflexões sobre os direitos básicos que todos nós temos, percebe-se a ascensão de discursos autoritários e de viés fascista relacionados aos direitos humanos.
            Quando a DUDH foi proclamada, em 10 de dezembro de 1948, o mundo já tinha conhecido não apenas o “progresso” (desconfio muito desse conceito) vindo com as revoluções na técnica de produção dos séculos antecedentes, com a ascensão das novas tecnologias que mudaram para sempre a história econômica, política e cultural da humanidade, mas também viram que os mesmos conhecimentos que diminuíram as distâncias, que possibilitaram novas formas de sociabilidade e trouxeram comodidade para os lares, foram utilizados, na primeira metade do século XX, para a destruição e a morte de milhões de pessoas durante as duas grandes guerras mundiais, a experiência nazista e fascista e o stalinismo.
            É lamentável ouvir nos meios de comunicação de massa, sobretudo nos “programas jornalísticos” de rádio e TV, que tem uma influência sobremaneira na formação da opinião pública, discursos que desprezam os direitos humanos. Quem nunca ouviu ou viu: “direitos humanos são direitos de bandidos”, “cadê os direitos humanos que não foram visitar a família da vítima?”, “esses militantes dos direitos humanos são todos financiados pelo governo”, “a segurança pública não melhora devido os direitos humanos”, etc. No Facebook, cansei de responder argumentos assim.
            Penso que não devemos entrar numa ofensiva para responder a todos que pensam de forma distorcida a respeito dos direitos humanos. Agora, quando uma pessoa vem com opiniões distorcidas, eu pergunto o que ela acha da liberdade de escolher a sua crença religiosa, do direito ao trabalho, da possibilidade de matricular o filho em uma escola pública, da liberdade de expressar seus pensamentos, inclusive criticando os direitos humanos, sem ninguém para tutelar sua opinião, etc. Quando a pessoa responde, eu, em seguida, afirmo: então, você defende os direitos humanos! Ninguém em sã consciência e com as faculdades mentais em boa forma vai desprezar esses direitos fundamentais.
            É preciso ter em mente e ensinar nas escolas, grupos pastorais, movimentos, coletivos, etc., que os direitos humanos nada mais são do que os direitos básicos que todos nós, seres humanos, independente de nossa fé, cor, classe social, sexo ou qualquer outro aspecto que serve para nos diferenciar uns dos outros, temos para viver uma vida digna. É preciso compreender, também, que quando existem assaltos, assassinatos, estupros e outros crimes cometidos no cotidiano de uma sociedade tão violenta como a nossa, está sendo negado e violentado os direitos humanos: direito à propriedade, direito à vida, direito à dignidade sexual. A culpa, portanto, não está no fato de termos direitos humanos, mas no fato de que esses direitos não se concretizarem na prática e da ausência de ações e políticas concretas no campo da segurança pública por parte do poder público, somando-se com a desigualdade social, o crime organizado (tão organizado que persiste no tempo e está entranhado em todos os poderes constituídos), dentre vários outros fatores estudados pelas ciências criminais.
            A DUDH é composta por um preâmbulo que explica os motivos de sua feitura e de trinta artigos que versam sobre os direitos básicos que todos os seres precisam para ter uma vida digna. Os críticos dos direitos humanos deveriam, antes de qualquer coisa, ler a declaração; certamente veriam que o que lá está escrito não privilegia um determinado sujeito em detrimento de outro. Pelo contrário, a busca – ainda, infelizmente, não alcançada – é por uma sociedade que todos tenham as condições mínimas para viver como gente, como ser humano.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Escola Sem Partido ou Escola com Discriminação?


Nos últimos anos, diversos projetos de leis foram apresentados nas Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, visando criar uma Escola Sem Partido, ou seja, proibir que professores e professoras “doutrinem” crianças com questões políticas e noções de gênero e diversidade sexual na sala de aula. Recentemente, com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para presidência da república, o tema retornou à Câmara dos Deputados; a própria campanha do candidato eleito pautou esse tema.

À primeira vista, todo mundo quer uma escola que não tenha partido, que seja para todos (as) estudantes, que não coloque nenhum tipo de conhecimento arbitrário ao alunado. Contudo, quando analisamos mais a fundo as ideias desse movimento e dos seus representantes, percebe-se o contrário. Não é escola sem partido que querem; é escola com pensamento único.

O movimento Escola Sem Partido nasceu em 2004, por iniciativa do procurador Miguel Nagibe em São Paulo. Ele tinha escutado um relato de sua filha ao chegar da escola e teria ficado indignado quando ela disse que o professor de história havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. A partir disso, fundou uma associação, criou um site e vários núcleos espalhados em todo o Brasil. Modelos de projetos de lei são disponibilizados para serem apresentados em todas as casas legislativas do país.

Todos os parlamentares que apresentaram projetos em suas casas legislativas são evangélicos ou católicos e pertencem a partidos conservadores como o PSC, MDB, PSDB, PP, DEM, dentre outros da mesma linha ideológica. Todos têm uma visão econômica liberal e um histórico de embates com a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais) e os movimentos feministas.

Em 2016, uma lei estadual foi aprovada na Assembleia Legislativa de Alagoas, vetada pelo governador do estado, mas o veto derrubado pelo poder legislativo. Uma liminar do ministro Luis Roberto Barroso suspendeu os efeitos da norma. A Procuradoria Geral da República (PGR) já se posicionou contrária a essa e outras leis de vários municípios brasileiros, por entender que ela fere direitos e princípios constitucionais. O Supremo Tribunal Federal (STF) até hoje não pautou a questão.

Quem observou pela imprensa a cobertura das discussões e aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), no Congresso Nacional, entre 2011 e 2014, viu que a incorporação dos termos gênero e orientação sexual nas formas de enfrentamento às discriminações foi vetada por pressão dos setores conservadores, formado pela bancada evangélica e católica e, excluíram também, as questões de raça do texto final. Esses grupos religiosos criaram um discurso em torno da chamada “ideologia de gênero”, que, segundo eles, visa destruir as famílias e acabar com a inocência das crianças. Esse “pânico moral” foi espalhado nos anos de 2015 e 2016 durante as tramitações e aprovações dos planos estaduais e municipais de educação. Voltou à tona durante a campanha eleitoral deste ano, sobretudo a partir da candidatura do presidente da república eleito e de seus seguidores em todo o país.

Alunos (as) que tem uma religião diferente da cristã ou mesmo que não possuem nenhuma crença sofrem nas escolas. Uma aluna de uma escola pública no Rio de Janeiro foi impedida de entrar no estabelecimento escolar por está com guias de sua religião. Alunos (as) LGBT enfrentam, no dia a dia, agressões físicas e simbólicas por ter uma orientação sexual e identidade de gênero não hegemônica. Ficaremos apenas nesses exemplos, mas casos de racismo, machismo e preconceitos contra pessoas com algum tipo de deficiência são muito comuns. A Escola Sem Partido quer proibir essas discussões.

A educação tem um papel fundamental na mudança de mentalidades e comportamentos. A cultura do estupro, o machismo, a homofobia, o racismo, dentre outras formas de preconceitos e discriminações serão enfrentadas concretamente quando a discussão entrar, de forma séria e científica, nas salas de aulas. A escola deve ser um espaço por excelência de convívio com a diversidade e não um local de hostilidade aos diferentes.

Portanto, os projetos de leis baseados no movimento Escola Sem Partido, não visam uma escola sem influências partidárias, mas uma escola que esconda a diversidade presente na sociedade e não combata preconceitos e discriminações que as pessoas gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, mulheres, negros, indivíduos de religiões de matriz africana sofrem no dia a dia. É urgente que o STF possa julgar a ação constitucional que tramita lá, para pacificar a questão em todo território nacional e tirar o véu do obscurantismo que tentam impor às escolas brasileiras.


domingo, 2 de setembro de 2018

"Meu primeiro tiroteio"


Diz o jargão que pra tudo tem a primeira vez. Nem sempre isso é possível; por exemplo, acho que a maioria das pessoas nunca vai chegar a ficar rica; o sistema capitalista exige a distribuição de riqueza desigual. Mas pra tragédia, acho que muita gente vai passar. Pois ontem num é que experimentei uma?

Eu ia para casa de uma amiga discutir algumas questões de um projeto cultural de dança que será apresentado agora em setembro, outubro e novembro. Desci no terminal da integração do Varadouro. Comprei uma tapioca e um café. Fui andando bem devagar em direção a antiga Central de Polícia (antigo prédio que torturava líderes durante a ditadura civil-militar), comendo a tapioca e tomando café.

Quando me aproximo dos pontos que ficam os transportes alternativos, começa um tiroteio mais na frente. E agora, o que fazer? Não sabia se eu corria, deitava, ficava parado. Abaixei-me até passar o momento tenso. Vi pessoas correndo pra um lado e pra outro.

De repente, vem um senhor em minha direção com a mão na barriga, com um pouco de sangue. Não dava pra imaginar que ele tinha sido baleado. Senta na calçada. Olha pra um lado e pra outro. De repente, aparenta uma tontura. Cai pra trás na calçada. Segundos depois estava morto. A polícia chega, mas não tinha nada mais o que fazer.

Vou seguindo meu caminho, com o corpo um pouco tremendo e o medo tomando conta de mim. Pela imprensa, tempos depois, vi que foi um “encontro” de grupos rivais; apenas o senhor morreu e mais duas pessoas ficaram feridas.

Esse ano já fui assaltado duas vezes em João Pessoa. Conheço vários amigos que também foram e muita gente que perdeu algum amigo, parente ou conhecido nessa “guerra civil” que o Brasil atravessa. É triste se ver diante de uma política de segurança pública ineficaz e também diante de propostas eleitorais populistas que, talvez, possa piorar o quadro de violência que o país vive.

Por trás disso tudo, está essa inútil guerra às drogas; está também a falta do Estado nos lugares mais carentes; a falta de perspectiva de muitos adolescentes e jovens em seguir uma carreira decente (trabalhei dois anos com adolescentes em conflito com a lei e ouvi relatos tristes sobre suas existências precárias e “criminosas”).

Época eleitoral serve (ou não) pra gente refletir sobre os caminhos (ou descaminhos) que nossos governantes e parlamentares prometem nos levar (ou desviar).

sábado, 2 de junho de 2018

Deus na boca da mulher pedinte



Eu não costumo “ajudar” pedintes nas ruas e no transporte coletivo de João Pessoa. Poucas vezes vejo sinceridade em quem pede. Posso ir para o inferno por causa disso? Antes o inferno do que o céu com Silas Malafaia, Edir Macedo, Marcos Feliciano e toda a corja espiritual brasileira...

Dias atrás eu vinha da aula de Jornalismo na UFPB. Peguei o 1510. Quando o ônibus chegou ao José Américo e parou em um dos vários pontos do bairro, uma senhora subiu e pediu a alguém que pagasse a sua passagem. Eu tinha a impressão de já tê-la visto em algum lugar. Uma jovem, que estava sentada ao meu lado, foi até o cobrador e pagou.

Assim que a senhora entrou começou a pedir. Aí lembrei dela. Eu estava em um ônibus, há uns dois anos, acho que vindo de Tambaú, quando a senhora fez a mesma coisa: subiu no busão, pediu que alguém pagasse a passagem e depois começou a pedir, contando que estava passando necessidades e tal.

Eu dei, naquela vez, acho que uma moeda de R$ 1,00.

Quando ela estava perto dos últimos bancos, ela cismou com uma senhora que estava sentada. Começou a discutir e proferir palavras ásperas contra a mulher que,  segundo a  pedinte, tinha resmungado alguma coisa. “Se não quiser ajudar, não reclame”, “Deus vai te castigar”, “De de que adianta ir pra Igreja e não ajudar o pobre”, etc. Eu fiquei constrangido com a cena e com a forma da pedinte agir.

Dava para ver pelas roupas que ela devia ser de alguma das milhões de igrejas evangélicas que se multiplicam no Brasil todos os segundos.

Pois então. Quando ela entrou no 1510, eu lembrei da cena passada anos antes.

Ela começou a pedir. Não dei nada. Fiquei imaginando se ela iria começar alguma discussão também. E de repente, com uma passageira que estava sentada no banco ao lado do meu, ela começou a discutir.

De acordo com a versão da pedinte, a passageira teria falado para sua colega que estava no mesmo banco: “tu vai ajudar?”. Ela escutou a começou a proferir as mesmas palavras que da outra vez, mas bem mais fortes, inclusive criticando o fato de a senhora que questionou a outra do lado, usar um terço, falando que aquele Deus dela estava morto, que ela ia para o inferno, que maldições iam cair sobre ela e outras pregações típicas de religiosos fundamentalistas.

Eu estava com um livro na mão, mas não consegui mais me concentrar. Todo mundo no ônibus ficou olhando para aquela senhora indefesa que entrou no coletivo graças a uma passagem paga, que tinha pedido ajuda pelo amor de Deus, usar o nome do divino para jogar palavras carregadas de negatividade em uma pessoa.

Ficamos todos aliviados quando, poucos minutos depois, a pedinte missionária desceu em outra parada. E desceu falando de maldições e outras coisas que o cara lá de cima vai fazer em quem não ajudá-la.

Mais um motivo para eu não querer ir para o céu. Além dos senhores de terno e gravata citados no começo do texto, não quero ter a companhia dessa senhora por toda a eternidade. Pelo menos não no céu que essas igrejas  pregam nos cultos dominicais.

domingo, 29 de abril de 2018

O garoto que levou meu celular


Fevereiro de 2018. Eu fui para um bar na Praça da Paz com um rapaz que tinha conhecido pelo Grindr. Fazia tempo que estávamos conversando, mas não tínhamos nos encontrado ainda. Na época, eu tinha acabado de voltar a morar em João Pessoa, ia trabalhar em uma escola durante a noite e estudar Jornalismo na Universidade Federal da Paraíba. As coisas estavam dando certo na minha vida.

Sentamos em uma mesa no centro do bar. Pedimos caipirinhas e caldinhos diversos para regar a nossa conversa. Minha companhia mostrou-se uma boa pessoa para sair, tinha um bom papo, senso de humor e um sorriso bonito.

Entre as bebidas e conversas, fomos nos empolgando quando chegou um garoto que devia, pela aparência, ter entre 11 e 13 anos de idade. Nos ofereceu doces. Recusamos. Ele ficou insistindo para que comprássemos. Eu, todo metido a militante, disse que ele não poderia aquela hora da noite está em um bar, que ele devia estudar e não trabalhar, etc. O garoto disse que estudava e estava vendendo pra ajudar no sustento de casa. Eu ia dizer mais o quê?

Meu celular estava em cima da mesa, perto do copo com bebida. O garoto estava bem próximo de mim. Ele conseguiu captar toda nossa atenção. Não percebemos que, enquanto isso, ele pegava o celular e saia da nossa mesa, fazendo uma aposta: ele iria nas outras mesas do bar oferecer os doces, caso não vendesse nenhum iria voltar e teríamos que comprar os produtos. Obviamente, eu recusei qualquer aposta.

Ele foi oferecendo os doces em outras mesas e, mesmo já longe, falando conosco sorrindo, dizendo que ia voltar. Mas uma vez falei que ele fosse embora e tal. Voltei a conversar com J. (primeira letra do nome do rapaz que me acompanhava) e beber. O garoto foi embora que nem percebemos. De repente, fui pegar o celular para conferir a hora. Surpresa! Cadê o celular? Foi aí que demos conta que o garoto usou toda uma estratégia para prender nossa atenção e pegar o celular sem que percebêssemos.

J. ficou revoltado, mais sentido que eu diante da situação. Fomos reclamar com a direção do bar. Mas eu fiquei aparvalhado com aquele menino e sua capacidade de captar a atenção das pessoas para cometer um ato infracional.

Eu estava há uns nove meses com aquele celular. Mudei rapidamente as senhas do twitter, instragram e gmail. Pedi o bloqueio do número. Fiquei pensando nas fotos que estavam armazenadas e contatos que eu tinha perdidos. Contudo, depois disso tudo comecei a rir de tudo aquilo, sobretudo, do nosso abestalhamento, especialmente o meu, diante do garoto.

Saímos do bar. Fomos até uma conveniência. Compramos vinho barato e pipocas. Pegamos um uber e viemos ao meu apartamento. A noite não foi de toda ruim...


PS: dois meses depois, quando eu esperava o ônibus para ir trabalhar, dois rapazes numa moto, levaram o celular que eu tinha comprado substituto do anterior que havia sido levado pelo garoto no bar.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O outro lado

Eu estava passando perto de uma loja de bolsas naquele dia. Não sei o motivo, mas do nada mudei minha rota. Nunca passo ali perto. Não tenho nenhum problema, contudo, felizmente ou infelizmente, sou meio metódico em meu percurso. Devia ser diferente. Eu que sou tão afeito a quebrar regras, a ousar, a tentar o novo, tenho ilhas de conservadorismo dentro de mim.

Uma senhora, por volta do seus 50 anos, me aborda na rua. Pensei que era para entregar alguma propaganda de plano dental ou algum folheto de proselitismo religioso. Ela, calma, me perguntou o que eu estava achando do dia. Era por volta de 16:30, estava saindo do trabalho e queria, mais que tudo nesse mundo, pegar o ônibus, que nesse horário é sempre lotado, e ir para minha casa.

Respondi que estava cansado, um pouco estressado, suado e queria logo chegar em casa, preparar algo para comer e depois ir para a academia. A todo tempo eu ficava olhando para o início da avenida com a expectativa do coletivo chegar.

Ela me disse que perguntou o que eu estava achando do dia e não de como eu estava. Meio que não entendi direito. Ela apontou o céu. Estava perto do ocaso. Lindo. Eu falei que mal tinha reparado no espaço ao meu redor. Acordei cedo. Peguei um transporte hiper lotado pela manhã, tinha dado aula pela manhã, almoçado em um restaurante popular, dado aula a tarde e que minhas observações daquele dia estavam apenas relacionadas ao trabalho e meu desejo de chegar em casa. Logo em seguida ela foi embora. Nem deu tempo direito para eu dizer até logo.

Nunca a tinha visto. Acho que dificilmente tornarei a vê-la novamente. Aquela pergunta dela ficou martelando em minha cabeça. Parei e fiquei olhando o céu, a praça perto do mercado, as plantas naquele ambiente, vendedores nas lojas, pessoas indo e vindo em todas as direções. De repente, aquilo que muito me exasperava começou a ter sentido para mim. Meu acordar cedo, minhas aulas ministradas, meu almoço simples, tudo aquilo começou a fazer parte de uma sinfonia tocada na orquestra da vida. Cada peça encaixa perfeitamente no quebra cabeça do universo.

Vez em quando, nos instantes que o cotidiano parece querer me sufocar eu paro e olho ao meu redor. Não para ver quem sofre mais do que eu. Tem gente que se sente agradecido por não ser tão pobre ou miserável quanto o outro. Olho ao meu redor para sentir o movimento da vida. Olho para sentir a minha dependência das outras pessoas. Somos parte de um todo. Preciso do gari que varre a rua tanto quanto do médico que me atende e trata de algum problema de saúde meu.

Agradeço muito aquela mulher que durante mais ou menos dois minutos me fez ver o outro lado da coisa. Sempre tem o outro lado. Uma vez um amigo me disse que um fio positivo e o negativo juntos geram a energia que move a vida de hoje. Nada é totalmente bom ou totalmente ruim. Cara e coroa constituem a mesma moeda. 

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